Opinião
D�lar

MARCOS DAVI DE MELO * Carregar dólar no bolso já salvou vidas. O valente levou um tirombaço no coração, caiu na hora durinho, todos o deram como morto e sobreviveu. A bala foi desviada da sua trajetória letal, por nada menos que uma única moeda de um dólar, que levava no bolso esquerdo da camisa. Assim começava o filme O dólar furado, cult do cineasta Sérgio Leone, diretor do Western Spaghetti, estilo de cinema categoria B que já esteve em moda. Parece inquestionável que a moeda norte-americana tem salvo não só algumas outras vidas, como também providenciado o caviar e o champanhe francês para os especuladores. Mas que a disparada da moeda norte-americana tem infernizado a vida de muita gente séria provavelmente a da maioria da população -, é um fato inquestionável. A começar pela indústria do trigo e seus derivados. Justa a gritaria dos que trabalham com o produto e ainda mais justa e compreensível a queixa dos consumidores que necessitam comprar o seu pão diariamente e que vêem o seu preço subir sem que o salário acompanhe. Este, que é o alimento básico na maioria das mesas brasileiras, seja no café da manhã ou no jantar. Mas existe uma outra parcela da sociedade brasileira, que é obrigada a trabalhar diretamente com o dólar e que nunca é citada nestes momentos de turbulências. As companhias de aviação, que trabalham em sua maioria com o produto importado, os aviões e as suas peças de reposição e suas manutenções. Tudo em dólar. Estavam já antes da disparada atual do dólar, no vermelho. E não se pode negar que com o seu poder de barganha, não conseguiram vários reajustes em reais nos últimos anos. Mas não é como acompanhar o crescimento do dólar. Compram em dólar e recebem em reais, é desigual. Sem o mesmo acesso, seja a mídia ou as instâncias maiores de resolução, mas trabalhando nas mesmas condições de comprar em dólar, assim como as suas peças de reposição e as manutenções dos equipamentos, e recebendo em reais, estão a maioria das clínicas e hospitais que prestam serviços à comunidade, principalmente aquelas que trabalham com a medicina mais avançada, a de ponta, utilizando equipamentos importados em sua maioria. Com um detalhe ainda mais cruel, ao contrário das companhias de aviação, não tiveram reajustes, nem mesmo em reais nos últimos oito anos. Pouquíssimos reajustes com os convênios e nenhum com o SUS. Três exemplos práticos entre nós: primeiro, um procedimento médico contra o câncer, feito com equipamento importado de custo aproximado a U$ 700.000, que equivalia a mais anos atrás a 16 dólares, hoje só recebe o equivalente a cinco dólares. Para se repor as peças desgastadas, não há outro caminho, são todas em dólar. Segundo: um equipamento importado que desempenhava um importante papel em um grande hospital de Maceió quebrou, (o conserto custava perto de 120.000,00 dólares), há alguns anos, quando o dólar ainda era igual ao real e não se pode consertá-lo. Hoje, seria possível? Outro grande hospital disponibiliza para a comunidade, o único equipamento do Estado de diagnóstico por imagem do seu tipo. Foi comprado há poucos anos, quando 1 dólar era igual a 1 real. Custou mais de um milhão de dólares. Pagou-se já incontáveis reais e se deve pelo menos o dobro. Hoje, é impagável. Mas a multinacional vive na porta batendo inclementemente. Já se tentou devolver o equipamento, eles não aceitaram, ainda. O esforço para se acompanhar os avanços da medicina entre nós e manter estes avanços tem tido um custo pesado aos responsáveis por estes equipamentos. Espera-se que esta responsabilidade não fique só com os médicos e as instituições, mas com todos, principalmente aqueles que têm poder e decisão. Como sempre os mais desfavorecidos, que não podem migrar para outro centro, podem pagar o pato. (*) É MÉDICO