Polícia
Charme e coragem em defesa das mulheres

FÁTIMA ALMEIDA Casos de estupro, atentado violento ao pudor, violência contra a infância, conflitos de vizinhas, briga de amantes, agressões e lesões corporais geradas por ciúme e traição fazem parte do dia-a-dia da advogada alagoana Fabiana Leão, 29 anos. Quem olha seu rosto bonito e bem cuidado, um sorriso sempre presente nos lábios, dificilmente consegue imaginá-la enfrentando as mais diversas situações de combate ao crime e à violência, mas há alguns meses Fabiana vem dando um toque especial à Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Mulher, misturando charme e coragem, simpatia e firmeza na defesa da mulher alagoana. Antes de ser nomeada para o cargo ela passou por algumas delegacias do Interior, Delegacia de Plantão e respondeu pela Defraudações, desde que foi nomeada, por aprovação no último concurso da Polícia Civil, para o cargo de delegada, há pouco mais de um ano. No seu ambiente de trabalho, que também foge ao estereótipo das tradicionais delegacias, ela lida com as mais perversas formas de violência de gênero e fica cara a cara com estupradores, espancadores de mulheres, adotando com segurança as medidas que o caso requer. - O que mais lhe incomoda? ?A banalidade com que os homens tratam esse tipo de violência, como se fosse natural bater ou abusar sexualmente de uma mulher?, responde. Mas o que faz com que seu rosto perca as feições de serenidade é quando a vítima da violência é uma criança. ?Faz parte do dia-a-dia da Delegacia da Mulher, mas não tem como não ficar chocada quando a violência sexual envolve uma criança. Ela é o que há de mais alheio à violência, entretanto é vítima freqüente?, lamenta. A pouca idade e o jeito aparentemente meigo, algumas vezes confundem os denunciados que chegam à frente da delegada Fabiana Leão. Até já lhe renderam piadinhas e situações pouco confortáveis, inclusive de desacato. Nada que ela deixasse de resolver com a autoridade que o cargo lhe confere. ?Não vacilo. Se tentam me desacatar, dou voz de prisão na hora?, avisa. Em pouco mais de um ano de carreira ela já encarou várias situações difíceis, sobretudo em sua passagem pelo Interior, quando atuou nas delegacias de Girau do Ponciano, Feira Grande, Arapiraca e Japaratinga. Uma das mais complicadas foi quando teve que indiciar um policial civil, colega de trabalho, por tentativa de homicídio. ?Fiquei muito triste, foi um decisão difícil, mas necessária. Tive que fazer?, diz. Em outra situação, ela estava na Delegacia de Plantão e foi chamada para efetuar uma prisão no Tribunal de Justiça. Quando se apresentou, não deixou de observar os olhares surpresos e incrédulos dos desembargadores, que naturalmente esperavam outro perfil de delegada. ?As pessoas criaram um estereótipo segundo o qual a delegada é uma figura durona, mal-humorada e até de mal com a aparência?, observa. Gosto pelo trabalho Formada em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Fabiana nunca planejou ser delegada. ?Me preparei para seguir a carreira jurídica em qualquer área que ela abrange. Aí apareceu o concurso da Polícia Civil e fui aprovada. Hoje, gosto muito do que faço. É muito bonita a carreira de delegada?, destaca com o entusiasmo de quem tomou gosto pela coisa. Não faltaram conselhos contrários a sua decisão, mas desde o início ela contou com o apoio dos pais. Às vezes, o reflexo do preconceito revela-se nas relações pessoais. ?O fato de ser delegada não facilita o início de uma relação. As pessoas vêem primeiro a autoridade?, confessa. Pelo fato de não ter programado a carreira, Fabiana nunca tinha, antes, lidado com uma arma. Aprendeu na Academia de Polícia e confessa: as mulheres demonstram excelente desempenho, talvez por serem menos cobradas no manejo com arma de fogo. A sua, ela leva dentro da bolsa e não gosta de expor. - Incomoda? ?Só o peso?, responde. No dia-a-dia de sua profissão de risco, Fabiana já coordenou muitas diligências, mas não teve, ainda, que correr atrás de bandido. ?Acho que o delegado cumpre o papel de coordenar as ações, desenvolver uma linha investigativa, tomar decisões rápidas, o que às vezes é mais difícil do que correr atrás de bandido?, reflete. Apesar das muitas situações constrangedoras e humilhantes que acompanha na Delegacia da Mulher ela considera o trabalho no Interior bem pior. ?Ficamos só, com uma equipe reduzida, e temos que enfrentar tudo. Aqui, o trabalho tem dimensão e repercussão muito maiores?, observa. Discriminações penais Uma das críticas da Delegada da Mulher relacionada ao exercício diário de sua atividade vai para o Código Penal Brasileiro e sua relação com as mulheres. ?Ele está cheio de discriminação, a começar pelo conceito de mulher honesta, que é vinculado a sua sexualidade. Isso é um absurdo, porque no caso do homem, a honestidade é um conceito relativo a sua conduta ética e moral, e assim deveria ser, independentemente de gênero?, diz ela. Fabiana Leão reconhece que a reforma do Código Civil trouxe grandes avanços para a condição feminina e defende que o Código Penal também passe por uma reforma geral, porque na sua avaliação as atualizações parciais que acontecem vez ou outra não atendem à evolução da sociedade e ao respeito necessário à dignidade da mulher.