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Nº 5759
Polícia

Ex-modelo troca a passarela por pris�o

CARLA SERQUEIRA Repórter Grávida de 8 meses, Maria Quitéria Kika da Silva, 23 anos, foi presa em flagrante após ter apontado um revólver, na quinta-feira, dia 19, às 12h30, para os clientes que almoçavam no Bar e Restaurante da Rosa, na Vi

Por | Edição do dia 03/02/2006 - Matéria atualizada em 03/02/2006 às 00h00

CARLA SERQUEIRA Repórter Grávida de 8 meses, Maria Quitéria Kika da Silva, 23 anos, foi presa em flagrante após ter apontado um revólver, na quinta-feira, dia 19, às 12h30, para os clientes que almoçavam no Bar e Restaurante da Rosa, na Via Expressa, ao lado de dois rapazes: Carlos Eduardo Mendes da Costa, 19, e José Marcos da Silva, 27 - este último, o provável pai da criança. Na madrugada do domingo, dia 22, Kika deu à luz. De parto normal, nasceu o seu terceiro filho. Hoje, enquanto espera a sentença por roubo e porte ilegal de arma, ela amamenta a criança no módulo 2 do presídio Santa Luzia, no Tabuleiro do Martins. A história recente de Maria Quitéria poderia ser confundida com a de muitas outras jovens se ela não tivesse tido a oportunidade de estudar e seguir a carreira de modelo há quase 11 anos. Foi em 1995, num café da manhã, na Praça dos Martírios, oferecido aos meninos de rua pelo Instituto Catarse, que a vida de Kika começou a ter um rumo diferente. Com apenas 12 anos, sua altura e beleza chamaram a atenção. O pai, caminhoneiro, havia morrido num acidente. Ela tinha perdido o vínculo com a mãe e morava nas calçadas com dois irmãos menores. “Lembrei do André Fon e percebi que ela poderia ter uma oportunidade nas passarelas”, conta Walmar Buarque, diretor do Catarse. “Criamos o nome ‘Kika’ e a preparamos durante um mês para os desfiles. Ela tinha cerca de 1,78 de altura e o corpo muito bonito. Nos eventos, ela era a mais aplaudida e se tornou, rapidamente, a atração principal. Ao contrário das colegas, que desfilavam em duplas, Kika entrava sozinha e ganhava sempre o maior cachê”, relembra André Fon, fotógrafo e sócio, na época, da agência de modelos Fox. Além das passarelas, Kika ganhou também uma família substituta. Na casa da telefonista Maria de Lourdes, na Pajuçara, ela morou por mais de 4 anos. “Os parceiros do Catarse pagavam as despesas. Fui a mãe de Kika enquanto ela desfilava. Vinham professores dar aulas de matemática e português; ela freqüentava a academia Formafit. Mas, apesar de tudo, de uma hora para outra, ela avisou que ia embora. Distribuiu as roupas caras que ganhou com os travestis e disse ter se apaixonado. Pedi para trazer o rapaz, mas ela explicou que ele ‘era do mundo’, e não aceitaria. Choramos muito juntas”. ### Prisão de Kika reacende discussão social A Gazeta conseguiu autorização judicial para conversar com Maria Quitéria Kika da Silva, mas, mesmo assim, o secretário de Ressocialização, coronel Aurélio Rozendo, não permitiu a entrada da equipe de reportagem no presídio Santa Luzia. “A reeducanda tem que ficar na triagem durante sete dias, sem comunicação exterior. Não posso liberar para não criar um problema com as outras presas que vão dizer que ela está sendo privilegiada”, argumentou. Por meio da diretora da unidade prisional, Sheila Cristina, Kika explicou por que voltou ao crime. Segundo informações da diretora, ela se sentia explorada e não tem mais vontade de ser modelo. “Ela disse que quer sair do presídio para cuidar do filho e que não vai voltar mais para o crime, mas todas dizem isso. Lá fora, não vai ter emprego e a possibilidade é remota de não se envolver mais com bandidos”, afirmou Sheila Cristina. O diretor do Instituto Catarse, Walmar Buarque, acredita que o culpado por Kika estar nas ruas é do poder público. “Antes, abrigávamos meninos e meninas de rua. Agora, não podemos porque eles, por serem de sexo oposto, não podem viver juntos, de acordo com a Justiça. Mas na rua podem. Quantas cheira-cola não estão grávidas na Praça dos Martírios? Qual é a retaguarda que os governos estadual e municipal oferecem para estes jovens? Três dias antes do assalto, Kika veio aqui pedir exames pré-natais. Disse que precisava de ajuda, mas ninguém queria abrigá-la. Ela, por ter 23 anos, não tem mais para onde ir. Não tem abrigo para quem é maior de idade. Por isso digo que a retaguarda do Instituto Catarse é o cemitério ou o presídio”, disse. Maria de Lourdes Rodrigues Moura, “mãe substituta” de Kika durante o período em que ela estudou e atuou como modelo, acredita ter faltado “ocupação” para que ela não largasse tudo e voltasse para as ruas. “Kika estudava, mas os desfiles não aconteciam sempre. Ela, como toda jovem, se apaixonou. O rapaz morava na rua e ela preferiu ficar com ele. Talvez se tivesse um emprego, algo mais seguro, ela tivesse conseguido se livrar de vez da criminalidade”, comenta, ao narrar como foi ver Kika na matéria da TV Gazeta, logo após a prisão. “Não aguentei assistir à matéria toda. Não consigo acreditar que ela, tão meiga que era, liderava uma quadrilha. Isso é muito dolorido para mim”, conta Lourdes que mora com mais 4 meninas de rua em sua casa. O fotógrafo André Fon diz que Kika teve todas as chances para seguir a carreira de modelo. “Acredito que faltou interesse mesmo. Certo dia, ela sumiu completamente. Tínhamos dois desfiles para ela fazer e não conseguimos encontrá-la, então, resolvemos não nos comprometer mais”, disse ele, ao revelar que Kika chegou a freqüentar os mesmos lugares que as famílias mais ricas de Maceió. “Ela ia aos restaurantes, aos camarotes durante os carnavais. Muitas roupas ela ganhou de donas de butiques”, revelou. “Mesmo com a notícia do assalto, não podemos deixar de acreditar na inclusão social”, pondera André Fon, contabilizando 40 desfiles feitos por Kika durante a sua passageira carreira de modelo. O delegado de Roubos e Furtos de Veículos, Carlos Alberto Reis, se disse surpreso com as atitudes de Kika durante a fuga, no dia 19. “Nunca vi uma gestante tão valente”, comentou. Para conseguir pegar o bando, 12 policiais em 4 viaturas levaram uma hora e meia. “Todos estavam armados, mas só ela não se livrou da arma. Ela, mesmo com 8 meses de gravidez, pulou do carro e tentou correr”, disse Reis. Os dois primeiros filhos de Kika foram para adoção. Ela pretende ficar com o 3º, mas pode pegar de 4 a 10 anos de prisão. |CS

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