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Nº 5759
Política

INTERNAR � FOR�A � JOGAR DINHEIRO P�BLICO FORA

É sempre difícil curar alguém de uma dependência. Fumantes de cigarro, por exemplo, passam anos dizendo que deviam parar. Depois de parar, muitas vezes acabam voltando quando algo vai mal na vida – excesso de trabalho, uma briga na família, problemas fina

Por | Edição do dia 03/02/2013 - Matéria atualizada em 03/02/2013 às 00h00

É sempre difícil curar alguém de uma dependência. Fumantes de cigarro, por exemplo, passam anos dizendo que deviam parar. Depois de parar, muitas vezes acabam voltando quando algo vai mal na vida – excesso de trabalho, uma briga na família, problemas financeiros. Muitos não param nunca – ou só param com o câncer. Mas há quem consiga. Chega o dia em que eles cansam da falta de ar, do cheiro nas roupas, das unhas e dentes amarelos, dos olhares de reprovação, do medo da morte. Às vezes acontece subitamente, numa conversa com uma criança. Às vezes é um processo sofrido, anos de brigas com as pessoas amadas. Às vezes é uma decisão planejada, marcada com meses de antecedência. Não tem regra, cada caso é um caso. Ou melhor, tem regra, sim. Uma regra: qualquer que seja o método do tratamento, ele funcionará melhor se o dependente quiser parar. A coisa mais importante para vencer uma droga (cigarro, álcool, heroína, crack) ou um comportamento compulsivo (comprar além das possibilidades, transar e deprimir-se em seguida, ficar com alguém que faz sofrer) é a vontade. Quem decide largar a dependência é o dependente. Colocar policiais na rua chutando crackeiros para dentro de viaturas, levando-os para frente de um juiz que não entende nada de saúde e que determina o internamento e depois trancá-los numa clínica pode até funcionar em alguns casos. Lembre-se: cada caso é um caso. Haverá quem aproveitará a oportunidade para sair do inferno. Mas esse procedimento é enormemente ineficaz – e, portanto, um desperdício de dinheiro público. Muitas das pessoas recolhidas vão voltar a consumir assim que saírem da clínica. E aí irão procurar um outro lugar para usar crack. É o que está acontecendo em São Paulo: o problema, antes concentrado no Centro, está se espalhando rápido por todas as cidades da Grande São Paulo. Muitos voltam para a rua mais perturbados, mais defensivos: sua vontade de parar fica mais fraca. Nos últimos dez anos, Portugal mostrou como tratar uma população de dependentes. Em 2001, suas ruas, como as nossas hoje, estavam cheias de maltrapilhos malcheirosos, dependentes severos de heroína. O governo, em vez de botar a polícia atrás deles, botou especialistas em saúde conversando com eles. Em vez de chegar com o cacetete, chegava com o estetoscópio. Às vezes, em casos extremos, de risco de vida ou de risco aos outros, de crise psicótica, de perigo de suicídio, esses profissionais de saúde determinavam a internação provisória compulsória: mas isso era exceção, não regra. Rapidamente, vários começaram a pedir tratamento, que funciona melhor porque havia confiança entre terapeutas e pacientes. Hoje, o mundo todo considera a experiência portuguesa muito bem sucedida. Portugal economizou dinheiro tratando apenas quem queria ser tratado. E resolveu o problema. Encontrei recentemente o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência de Portugal, o médico João Goulão, responsável pela história de sucesso. Ele disse: “o dependente passa a vida entre duas vontades quase irresistíveis: a de usar a droga e a de parar de usar. Precisamos garantir que, quando vier a vontade de parar, o Estado esteja por perto, oferecendo ajuda”. É o contrário do que os políticos do Brasil estão fazendo: determinando internações que espalham o problema para mais lugares, tornando uma intervenção do Estado mais difícil. Se é verdade que há uma epidemia de crack, está bem claro quem são os responsáveis pelo alastramento: os políticos. “A internação à força nunca será eficiente para todos os casos. Mas será muito útil para alguns”

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