Política
Especialistas alertam para fracasso de reformas

JULIANO DOMINGUES (AGÊNCIA NORDESTE) Recife ? A reforma administrativa do Estado está na pauta do dia de todos os nove governadores do Nordeste, desde a posse deles, em 1º de janeiro. Secretarias e órgãos são extintos sob o argumento de equilibrar as contas e agilizar o funcionamento da máquina. Outros são criados, fragmentados ou renomeados. Estudiosos do tema, no entanto, garantem que as mudanças anunciadas se baseiam em um modelo equivocado, além de serem motivadas, excessivamente, pelo clientelismo. Resultado previsto pelos especialistas: fracasso quanto aos objetivos propostos. Uma reforma administrativa é sempre precedida pela necessidade de um ajuste fiscal, mas engloba uma série de interesses: dá não só visibilidade a um governo perante os eleitores, como também adapta a estrutura estatal às acomodações requisitadas pela aliança que chega ao poder. Esses são os principais fatores que tornam a reforma administrativa uma das primeiras medidas de uma gestão ? e o Nordeste é um bom exemplo disso. As reformas em Alagoas, Pernambuco, Sergipe e no Maranhão já foram aprovadas; Ceará e Piauí já têm o pacote de mudanças pronto e aguardam apenas a posse da nova bancada; Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia já anunciaram a criação de secretarias e órgãos e também aguardam a posse dos novos deputados, em 1º de fevereiro. Tais medidas, no entanto, ?são superficiais e não passam de cosméticos?, na opinião do especialista em reforma do Estado, Ítalo Fittipaldi, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Neppu) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). ?O instrumento de restauração da performance dos serviços públicos não está no fato de se mudar o nome ou fundir secretarias, mas em mexer nos incentivos internos dessa organização?. Fittipaldi ainda indaga: ?O que adianta dizer que não existem secretários no Maranhão, mas gerentes? Ou que em Alagoas há células??. Modelo contraditório O especialista da UFPE aponta que o modelo proposto pelos estados é, por si só, contraditório, pois sugere o ajuste fiscal e o aperfeiçoamento dos serviços públicos a um só tempo. ?As chances de sucesso aumentam quando o processo é feito em duas etapas. Quando promovidas juntas, há o risco de não se fazer nenhuma das duas medidas ou, no máximo, apenas algo referente ao ajuste fiscal?. Fittipaldi destaca, também, que não se pode pensar em equilíbrio fiscal sem demissão de funcionários ? como anunciado em Pernambuco e no Ceará ?, pois o maior peso das despesas recai sobre a folha de pagamento. ?Eu acho a reforma do Governo Jarbas (o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos-PMDB) ainda tímida. Seria preciso que o Governo fosse mais incisivo na redução dos gastos públicos. Se é feita uma reforma e não se demite funcionários, o que se está fazendo, então??, questiona. Ele ressalta, ainda, a necessidade da existência de mecanismos de punição e incentivos no âmbito público, como medida de aperfeiçoamento da prestação dos serviços ao cidadão. ?Nós temos que quebrar esse preconceito de não mexer com o funcionário público?, propõe, referindo-se à necessidade de demissões. Fittipaldi cita, ainda, como problemática, a falta de conhecimento sobre o funcionamento da própria máquina pública por parte dos integrantes do governo. ?Como vou recomendar um remédio sem antes conhecer a doença??. As reformas administrativas também são duramente criticadas pela coordenadora do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Maria Ozanira da Silva e Silva. Para ela, as mudanças institucionais são motivadas mais por ?interesses implícitos do grupo que chega ao poder? do que por aqueles que são revelados publicamente ? como, no caso do Maranhão, alinhar-se à estrutura organizacional do Governo Lula. ?O argumento do Maranhão é até interessante, mas o critério fundamental para se reformar é o ajuste de grupos e de pessoas?, observa. As críticas ao modelo de reforma ecoam, também, no Ceará, governado por Lúcio Alcântara (PSDB). Para o professor e coordenador do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Antônio Maciel, as propostas apresentadas ?não mudam a fundo a estrutura do Estado e não deixam claro o que vai ser feito na prática?. Fragmentação conflituosa Maciel identifica como uma contradição do modelo anunciado por Alcântara, por exemplo, separação entre a secretaria de Desenvolvimento Local e Inclusão Social. ?Quer dizer que o desenvolvimento não subentende a inclusão social? Não me parece coerente segmentar essas áreas?, estranha. Ele aponta, ainda, a fragmentação da secretaria de Cultura e Desporto em duas. ?O Ceará não tem uma tradição voltada, unicamente, para os esportes. Para mim, foi uma surpresa?. O professor utiliza, então, o termo ?fragmentação conflituosa? para definir a proposta de reforma do governador Lúcio Alcântara (PSDB). ?Com a fragmentação, é mais fácil que haja conflito entre ações do Governo?, opina. Maciel sugere uma hipótese para o surgimento da proposta: Alcântara teria ?perdido? as secretarias de Planejamento e de Governo para o grupo de Tasso Jereissati (PSDB), que indicou, respectivamente, os tucanos Maia Júnior e Luís Pontes para os cargos. Diante disso, a reforma institucional seria necessária para servir aos aliados mais próximos do governador eleito. ?A reforma caminha para a reacomodação de forças políticas?, lamenta Maciel. Aliás, vem do Ceará a primeira experiência nordestina de reforma administrativa, quando da primeira gestão de Tasso (1986-1990) à frente do Governo do Ceará. Na ocasião, foram aplicadas as primeiras medidas de um rígido ajuste fiscal, continuado pela gestão seguinte, de Ciro Gomes (PPS), à época também tucano. ?Tanto é que hoje não há mais o que cortar?, observa Luiz Maciel. Em seguida, vieram os estados da Bahia, com o pefelista Paulo Souto (1994-1998); do Maranhão, com Roseana Sarney (1998-2002); e de Pernambuco, com Jarbas Vasconcelos, em 1999. No entanto, estudiosos indicam que tais tentativas fracassaram. A raiz do problema estaria na ?estadualização? do modelo federal desenvolvido pelo Ministério de Administração e Reforma do Estado (Mare), a partir de 1996, que tinha à sua frente o economista Luiz Carlos Bresser Pereira. ?Os estados ainda adotam um modelo que não deu certo, pois não foi implementado a partir de uma discussão aprofundada. Tanto é que o próprio Mare foi extinto em 1999?. Na avaliação do especialista Ítalo Fittipaldi, os estados utilizam-se dele até hoje porque não há, ainda, alternativa ? traduzindo: as reformas anunciadas ou já aprovadas pelos nove estados nordestinos caminham para o fracasso.