Política
Financiamento público é o preço da democracia

| LUIZA BARREIROS Repórter A crise pode ter aspectos positivos? Para o cientista político Cláudio Couto, da PUC de São Paulo, pode. Basta que a pressão da população sobre a classe política possa apressar a aprovação das reformas no sistema político que garantirão, entre outras coisas, mudanças no sistema de financiamento de campanhas eleitorais e na forma de preenchimento de cargos de confiança. Para ele, cargos de confiança são moedas de troca ilícitas ao alcance dos políticos. Ele também condena o troca-troca de partidos. Se não puderem mudar de partido depois de eleitos, não terão atrativo para se tornarem governistas, sem possibilidade de ofertas de mensalões, justifica, na entrevista a seguir, que concedeu, por telefone, à Gazeta. Gazeta - Toda a crise política vivida hoje pelo País evidencia a necessidade de uma reforma política urgente? Cláudio Couto - Acredito que sim. E talvez um dos principais aspectos dessa reforma, que talvez não venha sendo bem tocado, é a questão da administração, da burocracia pública. É importante que haja uma redução drástica nos cargos de livre nomeação, os chamados cargos comissionados, para que a gente tenha uma profissionalização da administração pública e, com isso, esses cargos deixem de ser uma moeda de troca entre os partidos e o Executivo. Daí vem a corrupção? É da ocupação desses cargos que vem boa parte dos desvios de recursos dos cofres públicos. Não é à toa que, volta e meia, tem uma liderança política que resolve que quer um cargo que mexe com somas de dinheiro bastante significativas. A gente pode citar o caso recente do Severino Cavalcante [presidente da Câmara], que falou que queria nomear alguém para aquele órgão da Petrobras que fura poço. Ele nem sabe que órgão é esse, mas sabe que por esse órgão passa muito dinheiro. E qual seria o interesse em ter um órgão desse tipo, eminentemente técnico? Então acredito que esse é um dos pontos principais da reforma. E o outro é o financiamento de campanha, já que boa parte de todo esse problema esbarra no financiamento de campanha. O financiamento das campanhas tem que ser público? Acho que ele não deve ser exclusivo, mas deve existir. Mas para que dê certo, acho que deve ter alguma liberdade para financiamento privado, com algumas limitações de valores e até a possibilidade de proibir que empresas que façam doações tenham contratos, negócios com o Estado. Me parece que o senador Jorge Bornhausen [PFL-SC] propôs algo nessa direção. O fato de o PT ter assumido o uso de caixa dois acabou sendo didático na discussão do financiamento público de campanha? As pessoas não compreendem muito bem a questão do financiamento público, porque acham um absurdo dar dinheiro para políticos. Mas na verdade, eu diria que esse é o preço da democracia. Ou seja: não dá para fazer uma campanha sem algum grau de financiamento público se a gente quiser garantir que essa campanha tenha a menor influência do poder econômico. O financiamento público é uma forma de evitar que, para os políticos e para os partidos, se torne uma necessidade buscar formas privadas de financiamento para viabilizar suas campanhas. Acho que essa crise tem um efeito importante, tanto no sentido de impulsionar as reformas como também para evidenciar onde estão os problemas. E um desses problemas é o financiamento de campanhas. A discussão pode ser feita da seguinte forma: se não for o financiamento público institucionalizado, será o indireto, através dos contratos firmados posteriomente com a administração? Exatamente, pelo favorecimento do poder econômico em licitações e em compras públicas. Por isso é necessário ter clareza com relação à necessidade do financiamento público. Mas insisto: não necessariamente um financiamento público exclusivo. Depois dos escândalos dos Correios e do mensalão e das denúncias tornadas públicas pelas CPIs, ficou mais claro para todo mundo, como nunca esteve antes, como se dá a troca de favores entre financiadores e financiados? Ah, sim, agora ficou tudo explicitado. E o Roberto Jefferson [PTB-RJ] de certa forma nos ajudou nisso (risos). Pelo menos nisso, na medida em que ele veio a público e acabou explicitando o que vinha acontecendo, quais eram os problemas que estavam em curso. A situação partidária do país se sustenta da forma como está hoje, sem fidelidade partidária e com as chamadas legendas de aluguel? Olha, acho muito complicado também. É preciso ter alguma mexida nessa questão partidária, talvez não tanto no sentido de impedir que partidos pequenos prosperem, porque é até saudável que eles existam, porque aumenta a competição não vejo, por exemplo, a cláusula de barreira como um grande benefício mas sobretudo no que diz respeito a exigir que os partidos pequenos andem com suas próprias pernas. Hoje a gente tem um sistema em que é possível que um partido pequeno se coligue com um partido maior para se viabilizar. E com isso, a pessoa às vezes vota em um partido mas está elegendo um parlamentar de outro: é a coligação para eleições proporcionais, de deputado ou de vereador. O senhor é a favor do fim das coligações partidárias? Sim. Se o partido quiser se viabilizar, que ele se vire e busque o voto do eleitor, que ele tenha realmente uma representação que corresponda ao voto que obteve. Esse é o principal ponto, mas também, claro, é preciso evitar esse troca-troca partidário. É importante que alguém que seja eleito por um partido, caso mude de legenda, perca o mandato. Não é admissível que alguém que se elege graças aos votos do partido, depois, sem mais nem menos, ou talvez recebendo um mensalão ou alguma outra coisa, muda de partido e trai com isso o seu eleitor e o próprio partido que viabilizou sua eleição. A perda do mandato tem alguma chance de passar no Congresso? Olha, eu acredito que existe alguma possibilidade, principalmente agora, com essa crise, que acaba aumentando a pressão sobre o sistema político e torna quase imperativo esse tipo de mudança. Acho que em condições normais de temperatura e pressão o que não temos hoje dificilmente mudanças desse tipo avançariam, mas com a crise, é possível que caminhem. É por isso que essas crises sempre acabam tendo um efeito saudável: ajudam a promover avanços que apenas acontecem graças à crise. Hoje, com apenas um ano de filiação, é possível ser candidato. A reforma determina que, para disputar uma eleição, seriam necessários três anos de filiação ao mesmo partido. A fidelidade partidária e o fim das legendas de aluguel teriam reflexo na atuação dos parlamentares, numa melhor conduta? Acredito que sim. Afinal de contas, alguém que estiver filiado a um partido há um bom tempo, necessariamente é alguém que tem maior envolvimento com o partido, com sua história, tem motivos para estar ali, tem mais identificação ideológica. Pode realmente ajudar que os partidos se tornem mais representativos. Existe uma proposta que abre exceção quando se tratar da primeira filiação. Para candidatos jovens, por exemplo, não seria exigido o tempo mínimo de filiação. Mas necessariamente candidatos que já passaram de uma certa idade é fundamental que tenham essa fidelidade partidária comprovada pelo tempo de vinculação à legenda. E a proposta de votação por lista fechada e não mais no candidato individualmente, ela pode favorecer o caciquismo dentro dos partidos? A lista fechada pode ter esse efeito, já que a gente pode ter uma situação em que boa parte daquela disputa que hoje se dá fora dos partidos, passe a ocorrer dentro dos partidos. E isso é ruim? Não, eu acho que isso é muito bom. Na verdade, os partidos vão se ver obrigados a ser mais responsáveis perante a população. Afinal de contas, boa parte de seus assuntos não vão mais se resolver a portas fechadas, mas terão que resolver dialogando com a população. E na medida em que isso vier a acontecer, tem condições de proporcionar uma maior transparência nos partidos. Na hora em que forem formar suas listas de candidatos, talvez tenham que realizar prévias. Eu diria que a própria competição entre os partidos talvez os leve a se abrirem para a população, a convocar os eleitores e eventuais simpatizantes a participar dos seus processos de escolha de candidatos. Isso é uma coisa que já acontece nos processos de escolha dos dois grandes partidos americanos, e tem um efeito salutar. O eleitor vai entender a mudança na votação? De uma hora para outra deixar de votar no candidato para votar na lista de um partido? Olha, em um primeiro momento as pessoas estranhariam, mas com o tempo é algo superável. Inclusive, se gente ponderar o fato de que nas grandes democracias do mundo já existe o sistema de lista fechada, nas democracias que têm, como nós temos, o chamado sistema eleitoral de voto proporcional em que cada partido tem um número de cadeiras proporcional ao número de votos que recebeu. A maior parte dos países tem listas fechadas. Apenas três países do mundo não têm: o Brasil, a Finlândia e a Irlanda. Outras tantas democracias no mundo, como a Argentina aqui do nosso lado, a Itália, os países nórdicos, têm lista fechada e ninguém pode dizer que não se trata de países democráticos. De todas essas mudanças, o que tem chance de ser aprovado no Congresso para entrar em vigor já na eleição de 2006? Uma das mudanças mais fáceis, e que eu acredito que já pode valer no próximo ano, é o fim das coligações partidárias. É mais fácil, por exemplo, que mudanças como a lista fechada ou a questão da mudança partidária. Mas a crise pode ser um facilitador da votação da reforma política. Eu diria até que se não for agora, pode até ser que venha no futuro, mas será mais difícil daqui pra frente. Esse é o momento bom para ocorrer isso. Se não ocorrer até o final desta legislatura, talvez a crise tenha reflexo nas eleições e a gente acabe tendo um Congresso muito renovado. Com a derrota de muitos dos atuais parlamentares, quem sabe novos parlamentares possam se ver mais motivados a promover mudanças? Mas eu acho que o momento mais oportuno mesmo é agora. ### QUEM É Nome: Cláudio Gonçalves Couto Idade: 35 anos Cargo: Professor do Departamento de Política e de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC/SP Formação: Mestre e doutor em Ciências Políticas pela USP Hobbies: Futebol e cinema