Política
Esse referendo não vai resolver a violência

| ODILON RIOS Repórter O povo brasileiro vai às urnas em outubro para decidir se proíbe ou não a venda de armas no Brasil. Em Alagoas, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AL), desembargador José Fernando Lima Souza, também do Tribunal de Justiça, não acredita que o referendo vá resolver a violência no País. Ele acha que mais importante seria, por exemplo, um referendo sobre a transposição do Rio São Francisco e diz que conduzirá o referendo como um verdadeiro magistrado, com isenção. Gazeta - O referendo convocado para outubro, na prática, vai decidir o quê? José Fernando Lima Souza Há uma lei federal proibindo a comercialização de armas e munição. Mas um parágrafo diz expressamente que haverá uma consulta popular, que é uma espécie de pressuposto e vai tornar eficaz essa norma de proibição. Ou seja: exige-se que se faça uma consulta ao povo, por meio de um referendo, não um plebiscito. Qual a diferença? O referendo tem que ser feito posteriormente ao ato legislativo e o plebiscito não. Há uma lei que manda que se faça uma consulta popular, e só a partir daí é que esse artigo de lei que proíbe entrará em vigor ou não terá eficácia. Há necessidade de se fazer um referendo para se decidir isso? Existe outra forma? É uma questão de ponto de vista. A gente tem o nosso e tem que respeitar os outros. Confesso que visualizo questões tão sérias para o País, de uma relevância tão grande que eu preferiria que o povo fosse consultado sobre essas questões, ao invés de se perguntar sobre uma matéria que, inclusive, é polêmica. Que questões seriam estas? Há de convir que o Brasil atravessa grandes dificuldades de natureza financeira. É um País periférico, de terceiro mundo e onde há desigualdade e má distribuição de renda, um grupo de pessoas ricas e outro, imenso, de pessoas pobres. Enquanto isso perdurar, vamos continuar a ter essa matança, essa excessiva violência que temos aí. Porque temos exatamente 70% do povo abaixo da linha de pobreza. Enquanto isso não for erradicado, a violência não será reduzida. Não digo acabar, porque não vai acontecer nunca, mas reduzir a pelo menos um patamar de tolerância. Não pode permanecer como está. Esse referendo, para mim, não vai resolver esses problemas da violência no País. O povo deveria ser consultado sobre a transposição do Rio São Francisco, a construção de uma refinaria de petróleo, crimes de automóvel, a causa disso, como o excesso de velocidade e bebida alcoólica. Naturalmente, o governo federal deveria dar respaldo, ser a caixa de ressonância desse apelo popular. Quais os números deste referendo, no caso alagoano? Por exemplo: o tempo médio na urna eletrônica será de dez segundos. São 1.774.914 eleitores, 450 só em Maceió. Mais de 5.000 sessões eleitorais, 5.500 urnas eletrônicas. Destas, 150 estão sub judice, ou seja, estão atreladas a processos em tramitação, mas o mais rápido possível serão liberadas. Haverá 872 locais de votação e 516 pessoas contratadas. Além disso, existem duas Frentes: a Parlamentar por um Brasil Sem Armas, comandada pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB), e a Parlamentar pelo Direito de Legítima Defesa, presidida pelo deputado federal Alberto Fraga (PFL-DF). Em Alagoas, serão de R$ 1.457.000,00 alocados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os custos do referendo. É muito dinheiro para um Estado tão pobre. Isso é necessário? No mínimo, o momento não é próprio. Vivemos uma crise ética e política profunda, talvez sem precedentes na história. Vem em uma hora dessas um referendo para se saber se autoriza ou não a venda de armas e munição. Não sei. Tenho que me deparar com a realidade e não adianta eu estar a sonhar o que acho ou o que penso. O referendo está marcado para o dia 23 de outubro. Não há retrocesso. Essa decisão da população pode ser contestada na Justiça? A consulta popular é imprescindível para que, em verdade, passe a vigorar essa regra, que é a lei federal que proíbe a venda de armas e munição. Não se pode recorrer. Os meios de comunicação poderão fazer alusão quanto à venda ou não de armas? Não pode. Essa questão do debate se a arma deve ou não ser proibida é uma questão que afeta praticamente as frentes parlamentares. Como os meios então vão abordar o assunto? Esse processo é dialético. Há aqueles que são favoráveis e aqueles que são contrários. Acredito mesmo que através da rádio, televisão e jornal, especialmente no tempo para a propaganda eleitoral gratuita, as frentes darão as informações necessárias, imprescindíveis e suficientes à sociedade para bem fazer uma opção. Quando começa a propaganda eleitoral? 23 de setembro. Naturalmente, quatro dias antes do referendo há a suspensão do horário gratuito, para que o povo tome ciência do assunto. O tempo na TV de ambas as propostas será igual nos meios de comunicação. Não se teme que as duas frentes, ao invés de debater, partam para os ataques? Tudo isso pode ocorrer, mas são coisas que ficam apenas no mundo das conjecturas. Não posso antecipar o que pode acontecer. A maneira da abordagem do tema na mídia não pode ferir a liberdade de expressão? Não fere. Os congressistas são os representantes do povo. Outorgamos a eles a defesa dos nossos interesses. Naturalmente, dentro de um problema polêmico, é possível que haja aqueles que pensam de uma forma e outros que pensam diferente. Alguns parlamentares, de maneira isolada, dizem que o referendo é uma estratégia política para fortalecimento de nomes para as eleições do ano que vem. O senhor concorda com isso? É bem provável que haja um certo ranço de interesse político. Mas, tenho certeza absoluta, pode haver equívoco por parte de uma pessoa, mas ela tem procurado interpretar os sentimentos da sociedade ou pelo menos o entendimento que a mídia tem procurado levar ao povo, a formação do convencimento, principalmente em função de alguns acidentes, algumas mortes, principalmente com menores. Então, esses fatos são levados a um plano muito alto e isso tem feito com que o Congresso Nacional reflita isso e se aproveite psicologicamente do momento, para que esse assunto seja colocado na discussão do povo. Quem é a maior vítima das armas de fogo no Brasil? São os pobres? Não tenha dúvida. Não só as pessoas pobres, mas de cor negra, que formam o contingente maior nos presídios. Isso é uma conseqüência lógica dos problemas sociais do País. Essas pessoas são as que representam a parte mais expressiva dos criminosos por infrações penais. Mas também elas têm sido vítimas de uma maneira muito mais extensa e abrangente do que estas pessoas chamadas ricas. Os meios de comunicação, indiretamente, se manifestam sobre as armas no País. O sr. não teme manipulação da mídia sobre o assunto? Não posso falar a minha opção. Mas não tenho dúvida de que, em função do que falam os meios de comunicação de massa, há uma propensão muito grande, e isso, queira ou não, influi na formação e no convencimento. É bem provável que essa posição dos meios de comunicação de massa tenha uma influência muito grande no resultado. É provável que se a mídia, se pende para o não ou o sim, a população reflita aquilo que a mídia pensa. Qual a punição ao meio de comunicação que fira a lei nesse caso? A exposição das suas idéias pode ser de uma forma transversa, sem entrar propriamente no âmago da questão. Quando a mídia joga um número expressivo de homicídios praticados, isso já caracteriza atuação na sociedade. Mas esse é o tipo de propaganda que ninguém pode proibir, e o tribunal não pode impedir que o meio de comunicação fale nos homicídios. Mas se o jornal disser que deve proibir as armas de fogo, isso é uma opção bem mais clara. O meio de comunicação pode deixar de circular ou de ser veiculado? As conseqüências podem ser drásticas e admito até a interdição do meio de comunicação recalcitrante. Seria a única forma de combater ou impedir que aquele órgão desse prosseguimento a isso. Para a condução do referendo no Estado, o senhor se afasta do Tribunal de Justiça? É bem provável que não. Esse é o primeiro referendo da história do Brasil. O que se espera dele? Que o povo tenha mais uma oportunidade para exercer a sua cidadania. Inclusive poderemos ter uma idéia de como será a próxima eleição de 2006. Sob que aspecto? De logística, gastos, agregação de sessões eleitorais, pessoal de apoio, as urnas eletrônicas. Mas, para mim, deveria haver uma eleição só para presidente, governador, deputado, prefeito, vereador e uma consulta dessa popular. Tudo junto para evitar gastos. No próximo ano, a eleição está em R$ 4 milhões. Dois anos depois, mais R$ 4 milhões ou R$ 5 milhões. O senhor disse uma vez, em entrevista à Gazeta, que era contra a campanha do desarmamento. Mudou de idéia? Posso, em um momento de infelicidade, ter revelado a minha opção. Mas vou me permitir hoje, para aqueles que não leram ou gravaram o que eu disse, simplesmente dizer que presidirei o referendo como um verdadeiro magistrado, com isenção. Acredita que vai haver compra de votos ou boca-de-urna no referendo? Tenho certeza absoluta que não. Tenho certeza que não haverá caixa dois. Será um pleito mais tranqüilo. Esse referendo atrai o eleitor às urnas? Ele é obrigado a votar e tem uma série de conseqüências se não escolher: pode deixar de receber os vencimentos, não ser inscrito em concurso, não participar de concorrência pública, não tirar CPF. Eu recomendo: vá às urnas para que a gente tenha noção da nossa educação política. Se concorda ou não com a comercialização de armas. ### QUEM É Nome: José Fernando Lima Souza (Fernando Tourinho) Idade: 68 anos Cargo: presidente do TRE-AL Formação: Direito. É professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Hobby: Jogar futebol. O apelido Fernando Tourinho nasceu nos gramados