app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 0
Política

“RONDA NO BAIRRO É ILEGAL E PODE SER CONSIDERADA MILÍCIA”, DIZ CORONEL

.

Por Arnaldo Ferreira | Edição do dia 14/12/2019 - Matéria atualizada em 16/12/2019 às 10h13

O programa Ronda no Bairro criado pelo governador Renan Filho (MDB) “é ilegal e inconstitucional”. Os oficiais da chamada linha dura da Polícia Militar (PM) consideram o projeto como “uma milícia”. Para eles, “o governo de Alagoas criou uma polícia dentro da estrutura da própria polícia. Isto é um absurdo”. Um dos que confirma a “ilegalidade” é o presidente da Associação dos Oficiais Militares de Alagoas, coronel PM José Cláudio do Nascimento. Além de “ilegal e inconstitucional”, a proposta de policiamento ostensivo complementar já apresenta distorções. Inicialmente, o projeto absorveria apenas os policiais inativos. Mas, segundo o líder de mais de mil oficiais da PM, “tem ativos trabalhando lá”. O projeto deverá ser extinto a qualquer momento, porque a Associação dos Oficiais Militares de Alagoas, via Federação Nacional das Entidades de Oficiais Militares, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). O STF já indicou o ministro Luiz Fux como relator da ADI. “A preservação da ordem pública é competência da Polícia Militar. Não pode ser colocado nenhum outro arranjo, por mais que seja necessário e faça efeito positivo. Isto inclusive é imoral”. O presidente da Associação dos Oficiais recomendou ainda que para melhorar a segurança ostensiva e preventiva dos alagoanos o que se precisa é fazer concurso público para aumentar o efetivo. Confira a entrevista.

Gazeta. Como o senhor analisa o projeto de promoção dos oficiais da PM aprovado no Legislativo?

José Cláudio do Nascimento. É desumano, completamente danoso à corporação, à carreira dos profissionais e ao longo do tempo vai corromper as instituições militares, levando-as à submissão. Quem buscar a promoção profissional recorrerá ao viés político.

Os oficiais participaram da confecção desse projeto?

Nós trabalhamos neste projeto de promoção em conjunto com o comando da corporação, com a participação de todas as associações de militares. Fizemos um ato simbólico ao entregar o projeto ao governo do estado, ao Gabinete Civil, com a participação de alguns militares. Depois da mensagem ser encaminhada à Assembleia Legislativa, participamos de uma audiência pública onde mostramos a necessidade de a mensagem ser aprovada sem emendas. Mas houve diversas modificações na Assembleia Legislativa. O projeto terminou pior e foi considerado inconstitucional.

O senhor tem um áudio onde aparece a voz do governador Renan Filho se comprometendo, no dia três de fevereiro passado, em cumprir, ainda este ano, “todos” os compromissos assumidos com os militares. Esses compromissos foram honrados nos 11 meses deste segundo governo?

Nem todos os compromissos foram honrados. Algumas situações foram cumpridas, a exemplo dos 5% de reposição salarial que, na verdade, eram 12% que a gente cobrava referente ao tratamento dado a outra categoria da segurança pública. A verba de alimentação foi honrada. Quanto à questão da verba de uniforme, a lei foi aprovada e sancionada pelo governador. Mas até agora não foi feito o decreto regulamentando a verba e tem esta lei da promoção, que para a nossa surpresa foi a gota d’água.

O que vocês esperavam?

A gente esperava que o governo vetasse as emendas do projeto aprovado, porque esse era o compromisso do governo se por acaso surgisse alguma emenda que atrapalhasse ou prejudicasse o projeto original. O governador se comprometeu que junto com o Gabinete Civil faria gestão para aprovar a mensagem das promoções dentro do que foi estudado e acordado. Isto também não foi honrado. Na verdade, foi aprovado exatamente o contrário da nossa proposta.

O que os oficiais pretendem fazer diante desta situação, além da nota de repúdio que vocês divulgaram acusando o governador de não cumprir compromissos?

Vamos buscar uma articulação com os Ministérios Públicos Federal e Estadual e mostrar a falta de coerência que se pretende se for colocado em prática. A Associação dos Oficiais recorrerá via Federação Nacionais das entidades dos Oficiais Militares [o coronel Cláudio é vice-diretor do Nordeste da entidade nacional] para impedir que esta lei seja colocada em prática e cause dano à nossa instituição.

Os senhores acompanharam a tramitação desse projeto na Assembleia Legislativa?

Estivemos presentes em todas as sessões. Nos manifestamos, enchemos a galeria do Legislativo de oficiais. Até o comandante da Polícia Militar, coronel Marcos Sampaio Lima, se fez presente. Conversamos com vários parlamentares na tentativa de buscar o entendimento. Infelizmente, por questões políticas, todo o processo de avanços e de melhoria para a nossa categoria foi por água abaixo.

O que há de político neste processo?

A lei anterior tinha critérios de promoção a partir de major. O critério proporcional era da seguinte forma: uma promoção por escolha, uma promoção por merecimento e uma por antiguidade. Essa nova lei nivela no último posto. A promoção de tenente-coronel seria duas por merecimento, uma por escolha e uma por antiguidade. Na promoção para coronel seria duas por merecimento, duas por escolha e uma por antiguidade. A gente pode observar aí que a promoção por antiguidade vai ficando para trás. A proposta levada para o governo e que seguiu como mensagem para o Legislativo seria a isonomia entre os critérios de promoção, ou seja, uma para cada um critério, a partir do posto de major. Agora a proposta veio da seguinte forma: duas por escolhas, duas por merecimento e uma por antiguidade.

Isto significa o quê?

Isto significa um prejuízo da vida. Vivemos numa instituição hierarquizada. O militar que perde uma promoção dessa vai passar o resto da vida dele no mesmo posto. Nós temos, por exemplo, na corporação, militares de 1995 que ainda permanecem capitães. Nós temos majores que foram promovidos em 2005, passaram na frente.

Quer dizer, promoção por politicagem?

Qual é a diferença de um oficial que estava na academia para um outro oficial que nem estava lá? Não estou aqui culpando o oficial. Por isso, a gente está querendo mexer no sistema para acabar ou reduzir este tipo de injustiça. O trabalho da mensagem das promoções foi feito no sentido de minimizar questões deste tipo. O objetivo é dar gestão melhor ao comando das corporações e assegurar tranquilidade para que o militar flua na carreira de forma profissional e tranquila, sem pedir favor aos políticos.

Assim, evitar ser corrompido pelo afago dos políticos?

Perfeitamente.

Depois de 32 anos de Polícia Militar, o senhor está decepcionado com o Executivo estadual?

Sim. Porque houve uma reunião com o alto-comando da Polícia Militar, com o governador e pedi que se o projeto da promoção fosse aprovado, as emendas seriam vetadas. Ele [Renan Filho] se comprometeu com isso. Mas não cumpriu. Nós entramos em contato com o Comando-geral da PM e perguntamos o que tinha acontecido, e o comandante Marcos Sampaio disse que também estava surpreso. Nós estamos atuando em nome da Associação dos Oficiais, que tem mais de mil associados. É importante lembrar que o quadro de oficiais da ativa da Polícia Militar é composto de 998 militares. A Associação tem mais de mil oficiais porque conta com ativos, inativos e todos estão decepcionados. Nós estamos ecoando as insatisfações dos oficiais. A nossa entidade congrega do secretário de Segurança [coronel Lima Júnior] até o tenente mais moderno. Acho que deveríamos ser ouvidos pelo Executivo para que a nossa entidade possa colaborar com o governo, com os comandos das corporações a fim de minimizar os danos à sociedade.

O secretário de Segurança Pública, Lima Júnior, é um coronel também da PM. Qual a posição dele diante desta situação que gera revolta de alguns oficiais?

O secretário de Segurança Pública do estado é um coronel que faz um trabalho brilhantíssimo e inegável. Mas, na verdade, ele está num cargo político. Nem tudo é possível resolver. Quando encaminhamos as demandas do projeto das promoções, o secretário de Segurança Pública foi um dos interlocutores. Ele cumpriu o compromisso de encaminhar as propostas para o governador. Mas a gestão política não é dele. Na verdade, foi compromisso do governador. Através, inclusive, do secretário do Gabinete Civil, doutor Fábio Farias, que fez os encaminhamentos. Mas pecou no direcionamento com os parlamentares, porque se o governo, que tem maioria no Parlamento, quisesse a aprovação do projeto na forma original na Casa de Tavares Bastos teria feito a gestão neste sentido.

Depois de 31 anos de trabalho na PM vocês se aposentam com um salário de quanto?

Hoje estamos na faixa de R$ 21 mil. Com a aplicação do redutor constitucional, o soldo cai para a faixa de R$ 16 mil. Este é o salário de um coronel da PM em nosso estado, na ativa e inativo.

E o projeto Ronda no Bairro que o governo implantou?

Em vez de Ronda nos Bairros, nós precisamos é de concurso público, de reengenharia das corporações, valorização profissional. Nós temos muitos militares trabalhando em atividade burocrática em órgãos públicos.

Mas se falou que isto acabaria. Não acabou?

Não acabou. Vamos colocar aqui a própria Secretaria de Segurança Pública. Lá, tem muitos militares e deveriam ser colocados lá os militares da reserva. Os militares da ativa deveriam voltar para o seu trabalho nas ruas.

A proposta do programa Ronda no Bairro era trazer os inativos à atividade a fim de reforçar a segurança. Não é mais assim?

Tem os inativos, mas também tem ativos trabalhando lá.

Isto é legal?

É ilegal e inconstitucional. Já ingressamos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade através da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares. Esta ação se encontra com o ministro do Supremo, Luiz Fux, que é o relator.

O que pode acontecer?

Este projeto pode acabar a qualquer momento. Ele é um absurdo.

Por que?

Aquilo ali é uma milícia. O governo criou uma polícia particular dentro de uma estrutura da própria polícia. Isto é um absurdo. A preservação da ordem pública é de competência da Polícia Militar. Não pode ser colocado nenhum outro arranjo, por mais que seja necessário e faça efeito positivo. Isto, inclusive, é imoral.

Mais matérias
desta edição