Dois vereadores de Murici, distante 55 quilômetros de Maceió, ingressarão com ações no Ministério Público Estadual e Federal contra o decreto nº 68.630 assinado pelo governador Renan Filho (MDB), no dia 10 deste mês, por meio do qual declara de utilidade pública para fins de desapropriação o terreno que era da prefeitura e em 2003 foi doado ao deputado Olavo Calheiros (MDB), tio de Renan Filho e pai do prefeito Olavinho Calheiros, como incentivo para construir a fábrica de refrigerantes Conny.
Como o negócio da família Calheiros não decolou, ficou mergulhado em dívidas, a “Conny” foi vendida em 2006 para outra indústria de bebidas, a Schincariol, por R$ 27 milhões. A transação gerou lucro de R$ 17 milhões para o deputado Olavo. A indústria de São Paulo ficou apenas três anos no município e desistiu de permanecer.
Hoje, a fábrica de bebidas se resume a uma parafernália de equipamentos enferrujados, retorcidos, e o imóvel só não está totalmente, abandonado porque dois vigias, contratados por um escritório de Recife, tomam conta do local. Na área tem uma imensa lagoa que a população teme ser foco de mosquitos da dengue (Aedes aegypti).
Os vereadores Fábio André Vieira Gaia (PP) e Fernando Tenório Cavalcante (PSB), como a maioria dos 26 mil habitantes do município, também foram surpreendidos com o decreto do governador. A antiga fábrica Conny, como é mais conhecida na cidade, está abandonado há quase dez anos.
O vereador Fábio Gaia lembrou que o deputado Olavo Calheiros ganhou a área da prefeitura como concessão para construir a fábrica de refrigerantes e naquela época (em 2003) foi a primeira a invasar cerveja em lata no Nordeste. O empreendimento conseguiu financiamento de bancos públicos. Mas, a família não teve “competência” para desenvolver manter o negócio. “Depois da crise financeira provocada pelas dívidas a Conny foi vendida a Schincariol, que funcionou três anos em Murici. Neste período gerou menos de 100 empregos e fechou completamente em 2009”.
“Estranho”
O decreto do governador Renan Filho de desapropriação da área, segundo os vereadores, “é estranho”. Os vereadores afirmaram que “todo mundo estranhou o decreto”. Segundo o vereador Fábio Gaia “existe uma lei que estabelece que em caso de terreno cedido a empresa como incentivo fiscal, se o projeto não decolar, o imóvel deve ser devolvido e/ou reincorporado ao patrimônio do município. É a lei de Comodato (conjunto de empréstimo, em que uma pessoa entrega uma coisa a outra pessoa e quem recebe se obriga a devolver a coisa nas mesmas condições em que, você empresta sem cobrar nada por isso. O trato de comodato está previsto no código civil brasileiro entre os artigos 579 e 58). Agora o governador publica um decreto de desapropriação de um imóvel que deveria ser requisitado pela prefeitura. Isto é no mínimo estranho”, disse Fábio Gaia.
Os 11 vereadores de Murici estão em recesso parlamentar. Assim que retornarem ao trabalho, Fábio Gaia e Fernando Tenório cobrarão dos colegas a instalação da Comissão Especial de Investigação (espécie de CPI) desta transação. “Antes, vamos pedir aos Ministérios Públicos a investigação deste caso muito estranho”. O vereador Fábio Gaia disse que os empresários locais não entenderam o decreto de desapropriação do terreno que deve ser retomado pela prefeitura.
Lembrou ainda que a prefeitura doou terrenos, como forma de incentivos, as diversas empresas que se instalaram no núcleo industrial. “A maioria das empresas beneficiadas não evolui”.
O vereador acusou ainda que algumas empresas se instalaram na região industrial de Murici, com recursos de Bancos públicos, passaram menos de um ano e depois encerram as atividades. “O nosso parque está cheio de esqueletos industriais abandonados. Vamos levar isso tudo ao conhecimento do Ministério Público. É preciso investigar tudo”, afirmou Fábio Gaia e concordou Fernando Tenório.
Desapropriação do “Conny” é para nova doação
Pelo que consta no artigo primeiro do decreto do governador, a desapropriação é do imóvel situado num dos acessos da cidade de Murici se destina a implantação de novos empreendimentos. Segundo o decreto, o imóvel de 45.300,00 metros quadrados (m²) será entregue por concessão de incentivos governamentais do Programa de Desenvolvimento Integrado do Estado de Alagoas (Prodesin). O Imóvel está registrado no livro nº 120, livro 2-A, no Cartório do 12º Ofício de Murici como de propriedade da “Primo Schincariol Indústria de Bebidas de Alagoas Ltda.” atual denominação da Conny Indústria e comércio de sucos e refrigerantes Ltda.
O governador garante em seu decreto que “as despesas decorrentes da desapropriação correrão a conta dos recursos do próprio Estado de Alagoas”. E atribuiu a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) a tarefa de promover a desapropriação.
O decreto já foi publicado no Diário Oficial e está em vigor.
A Conny Indústria e Comércio de Refrigerante foi vendida ao grupo Schincariol, que confirmou a transação em 2006. O negócio ganhou repercussão no território nacional e nos cadernos de economia da maioria dos jornais do País. O valor da transação foi mantido em sigilo. Mas, pouco tempo depois terminou “vazando” que o grupo paulista teria comprado por R$ 27 milhões.
Conny ganhou terreno avaliado em R$ 75 mil
Em 2003, o deputado Olavo Calheiros implantou em Murici a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes. A família Calheiros domina politicamente a cidade desde o início dos anos 90. O deputado ganhou, de graça, um terreno de 45 mil metros quadrados, avaliado, na época, em R$ 750 mil. O doador foi a prefeitura local, que era comandada por Remi Calheiros, irmão de Olavo e tio do hoje governador.
Segundo noticiou o Jornal do Comércio no Blog de Jamildo (em 08/07/2007), a prefeitura também deu à indústria isenção por três anos do pagamento de água, insumo essencial para uma fábrica de refrigerantes. Com terreno e água de graça, Olavo teve condições de buscar apoio financeiro do Banco do Nordeste, o BNB, e conversou com o gerente José Expedito Neiva Santos, que fez gestões junto ao BNDES para conceder ao deputado um empréstimo de R$ 6 milhões, com vencimento em vinte anos.
Ainda de acordo com o blog de Jamildo, o gerente Expedito Santos aceitou, como garantia do empréstimo, a escritura de uma fazenda que o Ministério Público suspeitava ser falsificada. Concluído o empréstimo, o gerente foi promovido a superintendente estadual do BNB em Alagoas. Nos bastidores político e econômico, a promoção não foi tratado com uma simples coincidência.
Com a fábrica instalada, água e terreno de graça e dinheiro para pagar em duas décadas, a Conny, ainda assim, foi um completo fracasso, atestam a maioria dos empresários locais e o blog do Jornal do Comércio. Três anos depois, a indústria só vendia refrigerantes na região de Murici. Tinha apenas 0,1% do mercado nordestino. Devia R$ 150 mil (em valores da época) em contas de luz, não pagava o empréstimo e já devia R$ 9,9 milhões ao BNDES.
Dívidas inviabilizam o empreendimento
A situação era tão lamentável que a fábrica recorria contra dívidas irrisórias. Entrou com ação judicial para não pagar a anuidade de R$ 1.6 mil ao Conselho Regional de Química. Também foi à Justiça para não pagar R$ 3.6 mil por ano de taxa de fiscalização ao Ibama. Sofria até ação de cobrança do Inmetro, que fiscaliza o padrão e a qualidade dos produtos no País. O Inmetro cobrava R$ 900 da fábrica dos Calheiros. Outros credores menores também “infernizavam”.
Com as contas no vermelho e prestes a fechar as portas, a fábrica conseguiu ser negociada por R$ 27 milhões. Numa transação com vários tipos de comentários pejorativos nos bastidores políticos e econômicos de Brasília e Alagoas. Olavo teria quitado as dívidas e lucrado mais de R$ 17 milhões, conforme dados da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, que autorizou o negócio.
Na época, a Schincariol explicou que decidiu comprar a fábrica para expandir a presença dela no mercado nordestino. Pagou um preço exorbitante. Um especialista no setor ouvido pela revista “VEJA” disse que se construiria fábrica semelhante à da Conny com R$ 10 milhões, menos da metade do que pagou a Schincariol.
A mesma empresa paulista comprou a Indústria de Bebidas de Igarassu, no interior de Pernambuco, que fabricava a cerveja Nobel. A Igarassu na época era maior do que a fábrica dos Calheiros, tinha 10% do mercado de Pernambuco e capacidade para produzir 5 milhões de litros por mês, contra 4,5 milhões da fábrica dos Calheiros. Ainda assim, mesmo sendo maior e mais importante, custou R$ 10 milhões, na transação que ocorreu em junho de 2007.
Gazetaweb noticiou o fechamento da empresa que comprou a “Conny”
A fábrica do Grupo Schincariol instalada em Murici encerrou as atividades após funcionar por quatro anos. A informação foi divulgada na coluna do jornalista Célio Gomes, na Gazetaweb (em 10/ 11/2010). Em nota enviada à Gazeta, a companhia afirmou que o fechamento da unidade era resultado de uma readequação da empresa para atender de forma competitiva o aumento da demanda na região Nordeste.
“A unidade exerceu seu papel de abastecer, quase integralmente, a demanda por Skinka do Norte e Nordeste entre 2007 e 2009. Hoje, (na época) as linhas são consideradas de pequeno porte quando comparadas à demanda”, dizia a nota. Em 2006, a fábrica de refrigerantes Conny, que pertencia ao deputado Olavo Calheiros (MDB), foi comprada pelo grupo. A transação teria gerado um lucro de quase R$ 17 milhões.
Desde então, a unidade passou a operar sob a bandeira Schincariol e a produzir o suco Skinka. À época, chegou-se a especular que a intenção do Grupo era montar no Estado uma fábrica completa, capaz de produzir toda a linha de cervejas, sucos e refrigerantes da marca. O projeto não se concretizou.
Com o fechamento da indústria, O Grupo Schincariol afirmou que os funcionários da unidade de Murici puderam optar pela transferência para as plantas de Recife, de Igarassu (PE) e Alagoinhas (BA). Os que não quiseram continuar na companhia e decidiram permanecer em Alagoas – os cerca de 100 trabalhadores residiam em Murici, União dos Palmares e Maceió –, receberam “um pacote especial de benefícios”, conforme nota oficial divulgada pela empresa e publicada pelo jornalista Célio Gomes e confirmado por uma fonte.
A fabricante de cervejas, refrigerantes e sucos afirmava naquele período que o ritmo acelerado na expansão do consumo no País levou o grupo a fazer uma reavaliação “criteriosa de sua capacidade produtiva e logística de distribuição”, resultando em investimentos de mais de meio bilhão de reais em 2010.
“Murici é um paraíso de obras milionárias inacabadas”, diz vereador
“Murici é um paraíso de obras milionárias inacabadas”, a avaliação é do vereador Fernando Tenório Cavalcante (PSB) ao defender que os Ministérios Público Federal e Estadual investiguem os projetos milionários que foram abandonados no parque industrial e outros pontos da cidade. A maioria, segundo o vereador, consumiu muito dinheiro dos cofres municipais, estaduais e federais. Ao enumerar e identificar os locais onde estão os esqueletos de indústrias abandonadas, revelou também investimentos públicos na área de educação, lazer e saúde que precisam ser avaliados.
Destacou com outro monumento de desperdício do dinheiro público, a construção do acesso do cristo. A obra, de acordo com o vereador Fernando Cavalcante, já consumiu mais de R$ 1 milhão. Atualmente, na área conhecida como “topo da colina sagrada” tem homens trabalhando na construção de uma suposta central de energia elétrica e da praça. Uma placa do Ministério do Desenvolvimento Regional indica que o governo federal destinou quase R$ 700 mil (R$ 699.979,09) para a construção da praça. A obra se arrasta lentamente e ninguém sabe quando ficará pronta.
“Temos também o matadouro municipal que custou mais de R$ 1,1 milhão ao Ministério da Agricultura. O matadouro está pronto há mais de um ano. Os equipamentos estão enferrujando. A prefeitura fez a contrapartida e está lá tudo abandonado. Dinheiro público desperdiçado pode ser visto em vários pontos de Murici”, revelou o vereador ao indicar o matadouro que fica numa área rural perto da rodovia BR 104.
Se o matadouro estivesse concluído, teria condições de abater, diariamente, 50 bovinos, caprinos e ovinos, disse um criador da Região que atualmente abate animais em matadouros particulares de Maceió. Como o matadouro municipal nunca funcionou, parte dos animais consumidos na cidade são abatidos em matadouros clandestinos. Um deles fica no bairro Cajueiro, a poucos metros da Casa dos avós do prefeito Olavinho Calheiros.
Tem ainda o esqueleto do clube Municipal que fica a menos de um quilômetro da fábrica de bebidas abandonada Conny. O clube funcionava no centro da cidade na praça da Prefeitura. Depois de receber recursos de emendas parlamentares, ficou a promessa de ser construído num local amplo e com espaços para diversas modalidades de esporte e lazer. O imóvel também está abandonado há mais de cinco anos. “O governador Renan Filho começou a carreira política dele aqui (Renan foi prefeito no período de 2005 a 2010). Faz uma propaganda grande como se aqui fosse uma cidade modelo, exemplar e não é. A nossa população sofre com o desemprego (mais de seis mil desempregados), falta de água tratada na maioria das torneiras é outra triste e constante realidade”. Na área social, o vereador Fernando Tenório Cavalcante afirmou há mais de 20 anos a família Calheiros se revesa no Poder e “não promove concurso público na prefeitura para poder lotear a administração municipal de cargos comissionados”.
Saúde pública
O vereador Fábio Tenório destacou ainda como outro ponto negativo que coloca em risco a saúde da população, a situação da feira pública que acontece no meio da rua, em bancas sujas, de madeira velha e que nunca receberam tratamento higiênico. O comércio de carnes e exposto no meio da rua sem refrigeração. Enquanto isso, a cidade tem um amplo mercado público que já foi inaugurado no dia 16 de maio passado (data da Emancipação política do município). “No dia da inauguração foi feito um grande marketing. Mas, até agora o mercado público permanece fechado. Enquanto, a população consome alimentos expostos em locais sem condições higiênicas”.
Na saúde pública mais problemas. O Hospital Geral Municipal Dagoberto Uchôa Lopes de Om ena, vive sempre em reforma. “O governador esteve no município. Inaugurou uma das reformas, prometeu que este seria o hospital regional de referência na zona da mata e até agora a situação é precária”, lamentou o vereador ao mostrar mais de 70% prédio destalhado. Na entrada do hospital restos entulhos, de vasos sanitários, madeira velha e muito ferro retorcido.
O setor de emergência passou a funcionar num imóvel improvisado que funciona na frente ao hospital. “Vivemos numa cidade acabada, sem esperança de emprego, sem indústria, sem previsão de concurso público e cheia de obras que representam monumentos do desperdício do dinheiro público numa momento mais dramático da economia nacional”, lamentou o vereador Fernando Calcante ao provocar os Ministérios Público Federal e Estadual para visitarem a região. “O MP precisa acompanhar a destinação do dinheiro público em Murici”, enfatizou o vereador.
Projetos recentes não decolam e aumentam frustração
Com mais de seis mil desempregados, o município de Murici enfrenta uma das piores crises de desemprego na região da Zona da Mata alagoana. A frustração da população aumentou ao perceber que alguns projetos anunciados com muito pompa simplesmente não decolam. Em dezembro de 2015, por exemplo, o governador Renan Filho (PMDB) participou do lançamento da pedra fundamental de duas empresas que produziriam equipamentos utilizados na produção de energia eólica e atenderiam o mercado da construção civil. As duas empresas deveriam gerar 700 empregos diretos e, pelo menos, quatro vezes mais indiretamente.
Elas foram atraídas pelo Programa de Desenvolvimento Integrado de Alagoas (Prodesin), que garante redução da carga tributária e gera outros benefícios para a interiorização do parque industrial. Um delas, segundo o governador, na época da solenidade de lançamento da pedra fundamental, faria investimentos de R$ 34 milhões, produziria equipamentos capazes de gerar energia eólica para as empresas brasileiras e atenderia também ao mercado internacional. A outra empresa de pré-moldados faria investimentos de R$ 2,5 milhões, para atender demandas dos mercados da construção civil de Alagoas e de outros estados do Norte e Nordeste.
Da população de 26 mil habitantes, o então prefeito Remi Calheiros (MDB e tio do atual prefeito, Olavinho também MDB) avaliou, durante a solenidade, haver mais de seis mil desempregados. “A maioria dos desempregados é ex-trabalhadores da agroindústria canavieira. A última usina a fechar foi a Laginha, em União dos Palmares que empregava milhares de trabalhadores”, disse o prefeito na ocasião.
Segundo os vereadores Fábio Gaia e Fernando Tenório Cavalcante, Murici, assim como outras cidades da região do Vale do Mundaú, enfrenta uma das maiores taxa de desemprego dos últimos 20 anos por conta do fechamento de cinco usinas de açúcar na região. As instalações das duas empresas ainda não se concretizaram e os projetos prometidos não decolaram até agora.
Renan filho promete reabrir “Conny” que permanece abandonada
Durante a solenidade de anúncio da chegada de duas indústrias, no ato que ocorreu em dezembro de 2015 na entrada de Murici, o governador Renan Filho prometeu reabrir (em 2016) a antiga fábrica de refrigerantes Conny. A empresa tinha sido vendida para Schincariol que desistiu de continuar no município e a abandonou por definitivo em 2010. A promessa do governador não se concretizou. A indústria permanece fechada na área industrial do município.
Dezenas de desempregados que acompanharam o ato em 2015 ouviram Renan Filho dizer que estava trabalhando para atrair novas empresas para Murici. Na ocasião adiantou que a fábrica de bebidas fechada deveria ser entregue a outro grupo interessado em reativá-la. Ate agora isto não ocorreu.
O servente de pedreiro Edmilson dos Santos, o encanador João Vicente e o eletricista Geraldo Belo, todos desempregados, que participavam da solenidade comemoraram as promessas de geração de novos empregos na região. “Muitos jovens estão indo embora da cidade por falta de trabalho. Precisamos de emprego em Murici e nos municípios vizinhos”, disseram os trabalhadores. Hoje, a maioria dos que participaram do ato há quatro anos não esconde a frustração.