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Política Para Luciana Santana, ‘elites políticas que estiveram no poder não apresentaram ações concretas para reduzir desigualdade’

AL CELEBRA 203 ANOS DE EMANCIPAÇÃO COM PIOR IDH DO BRASIL

Estado não consegue superar estigma de ser o mais deficiente quando se refere a indicadores sociais e desenvolvimento econômico

Por Marcos Rodrigues | Edição do dia 16/09/2020 - Matéria atualizada em 16/09/2020 às 06h00

Ao curtir o feriado de hoje, que marca os 203 anos da Emancipação Política de Alagoas, a maioria dos alagoanos certamente não se dará conta de que a celebrada independência até hoje não representou o crescimento econômico, educacional e justiça social no Estado. Graças à desigualdade, temos o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Federação. Somos ricos em cultura, beleza, gastronomia e acolhimento, mas pobres, bem longe daquilo que deveríamos ser: no desenvolvimento coletivo da nossa gente.Continuamos ocupando a 27ª colocação entre as 27 unidades do País em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com 0,47, o mesmo valor de 2000, ou seja, o mesmo do início do século, há 20 anos. A escala que mede o índice vai de 0 a 1, sendo quanto mais próximo de 1 o resultado aponta crescimento nas áreas básicas.Entre 2011 e 2014 obtivemos índice de 0,66, com um crescimento de 23% em relação aos anos anteriores - em 2010, ficamos com 0,63. Mas ainda assim, incapaz de nos colocar fora da lanterna em relação aos demais estados do País. Os números são apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e servem de referência para organismos internacionais e para o governo federal para definir investimentos.Em outras palavras, nós crescemos, mas de forma muito desigual. As condições oferecidas para quem vive na capital e região metropolitana divergem e muito do interior, e como a contagem inclui a média dos 102 municípios é aí que o tropeço estatístico nos expõe como o estado mais pobre da Federação. Analfabetismo, desenvolvimento econômico do interior, falta de infraestrutura básica como saneamento e, consequentemente, distribuição de renda.Conforme explicou a professora e doutora em Ciência Política Luciana Santana, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), os números são tão problemáticos quanto os encontrados em outros estados da região, como Maranhão e o Piauí. E eles são resultado da sequência histórica e social que está diretamente ligada às elites políticas que ao longo dos anos disputaram poder, mas uma vez com ele em mãos não desenvolveram ações de transformação coletiva para a população."É um acúmulo histórico e social. Ou seja, elites políticas que estiveram no poder ao longo dos anos, não apresentaram medidas concretas para diminuir a desigualdade social e reduzir a concentração de renda. Consequentemente houve um baixo investimento em algumas áreas estratégicas que poderiam reduzir esses índices. Um dos sintomas mais expressivos é a ausência de saneamento básico na maior parte do Estado com várias pessoas vivendo à margem, na pobreza ou na própria pobreza extrema", descreveu Luciana.E esses fatos se somam ao que se encontra no mercado de trabalho com poucas ofertas de emprego, ou quando existem com baixa remuneração. Esta, por sua vez, já ocorre em decorrência da pouca ou quase nenhuma formação de mão de obra."E também nós vemos os investimentos em educação e outras áreas sociais foram insuficientes para as necessidades do Estado. Talvez isso seja o mais grave. Claro que temos algumas leves mudanças nos últimos anos, em alguns indicadores, mas são insuficientes e estamos bastante atrasados se houvesse investimentos nas diferentes áreas, com um comprometimento político em diminuir as desigualdades e a concentração de renda", voltou a enfatizar Luciana.ParlamentoNo parlamento alagoano, a oposição também atribuiu a falta de planejamento e definição de uma política de combate às desigualdades como fatores que ajudam a deixar Alagoas em situação vexatória nacionalmente. De forma incisiva, o deputado Davi Maia (DEM) não deixa de apontar a responsabilidade do governo que não cumpriu suas promessas de campanha."Primeiro, o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a prova que Renan Calheiros Filho não cumpriu sua promessa de campanha do primeiro governo. Segundo, isso evidencia que todos os programas sociais que o governo Renan Calheiros Filho acabou foi prejudicial a Alagoas. Projetos sociais que eram financiados pelo Fundo de Combate à Pobreza (Fecoep) acabaram, como cesta nutricional e Programa do leite. O microcrédito no governo Renan Filho nunca funcionou. O Banco Desenvolve tem um desenvolvimento pífio", apontou Davi.Segundo o parlamentar, os recursos existem, são captados quando o cidadão paga impostos, porém, a falta de planejamento não deixa com que exista uma aplicação "para o seu devido fim"."O governo não tem comprometimento para melhorar os índices de Alagoas. Destaco, também, os índices da Educação, que são pífios. O governo não tem responsabilidade com o desenvolvimento social de Alagoas", disse o parlamentar.Com um mandato voltado para a atuação liberal e de mercado, o deputado Bruno Toledo (Pros) destacou que sempre apontou a necessidade de Alagoas ter foco na "adoção de um plano estratégico em favor do empreendedorismo" como forma de gerar renda."E com maior liberdade econômica, desburocratizando e facilitando a geração de emprego e renda, inclusive repensando, no que compete ao Estado, a questão tributária, fiscal e administrativa. Inclusive, uma das propostas de redução de carga tributária aprovada no parlamento foi de minha autoria. Investir em polos tecnológicos e programas de suporte ao agronegócio e agricultura familiar em Alagoas são pontos importantíssimos também", lembrou Bruno.Um outro ponto destacado por ele é quanto à estruturação do Fecoep. Como ex-integrante do Conselho do Fecoep, foi defenestrado por ordem governamental porque sempre denunciou os desvios de finalidade dos quase R$ 300 milhões arrecadados anualmente. "Defendia a efetiva estruturação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) em Alagoas, dentro de um plano estadual, para evitar o desvio de finalidade que vemos hoje, com o Fundo custeando hospitais e obras ao invés de políticas públicas que inserem os mais vulneráveis na cadeia econômica.A meu ver, o Estado está muito atrasado nisso. O Fecoep tem importantes recursos que podem ajudar no fomento de ações que reinsiram os mais pobres na economia, ajudando as atuais gerações para criarem base para as futuras", analisou Toledo.As questões que envolvem a infraestrutura também foram lembradas por ele, já que em sua avaliação além de transformar a realidade também geram emprego e por consequência fomentam a atividade econômica. Defendeu que no Estado deixe de lado o aspecto ideológico e crie condições de junto ao atual gestão do Governo Federal viabilizar projetos já que, em Brasília, há disposição para investimentos."O governo federal tem ajudado nesse sentido. Mas é preciso deixar a ideologização de lado para aproveitar um momento em que temos um governo federal disposto a investimentos em infraestrutura, como temos visto no bom trabalho do ministro Tarcisio Freitas. No passado, o ex-ministro Maurício Quintella também fez um bom papel em Alagoas e cheguei a destacar isso. O governo federal investiu em rodovias, temos o Canal do Sertão andando, mas é preciso mais e Alagoas precisa elaborar projetos e melhorar a interlocução, já que dependemos muito da União", completou Bruno também apoiando o Plano de Saneamento como promissor.SocialA principal análise para justificar a péssima colocação do Estado nos rankings sociais é resultado de uma falta de investimentos que ampliem os segmentos além de suas necessidades básicas. Ou seja, os recursos existem, são enviados, mas cobrem o que já funciona e, dificilmente, criam condições para avanços.E isso, na área de educação, considera um dos pilares para o desenvolvimento do IDH, foi lembrado pela presidente do Sindicado dos Trabalhadores em Educação de Alagoas, profª Maria Consuelo. Conforme avaliou há uma distância entre discurso e prática que continuam mantendo abismos."Os principais critérios para definição dos IDH são educação, longevidade e renda, avaliando a nossa história e a relação com esses temas a realidade não poderia ser outra. Infelizmente Alagoas permanece com os piores indicadores nesses índices. Na educação especificamente nunca resolvemos a questão do analfabetismo, a evasão escolar é gigantesca e a desvalorização do profissional da educação é absolutamente vergonhosa", revelou Consuelo.O mais grave, porém, é que sob o seu ponto de vista isso atende a um modelo que tem como ponto fundamental a manutenção das oligarquias políticas no poder. Ou seja, a falta de desenvolvimento humano, por meio da educação, consolida os que mais se beneficiam dela, a classe política que se retroalimenta da miséria da população."Esta  realidade tem servido a um projeto político que perpetua as oligarquias no poder e impede a melhoria qualitativa das condições de vida da população", definiu Consuelo.EconômicoO presidente do Sindicado dos Fisco de Alagoas, Irineu Torres, lembrou que a situação do Estado seria bem diferente caso o seu potencial econômico fosse melhor administrado. Tanto que lembrou queno final do Seculo IX e início do Século XX estava entre as unidades da Federação mais prósperas. Aqui sua Industria têxtil, agricultura diversificada com produção de Algodão, cana de açúcar, feijão, além Pecuária colocavam nossa economia numa caminho de evolução."Entretanto o poder público ficou acomodado. Não buscou manter a atividade privada a frente da atividade do setor publico. Hoje o setor público de Alagoas é muito maior do que a iniciativa privada. Somadas as transferências federais com outras despesas da União realizadas em Alagoas se constata que a economia de Alagoas está firmada no setor público. Sucessivos governos estaduais fizeram do Estado um território federal. Por décadas o Estado de Alagoas foi e ainda é o maior empregador. Estorvou e estorva a iniciativa privada com o empreguismo e favoritismo politico. Ainda estamos na Velha República dos coronéis. O liberalismo econômico nunca aportou nessas terras ensolaradas", relembrou Irineu.Conforme lembrou, nem a preocupação com o seu maior financiador, o Produban existiu respeito. Assim como outros órgãos existiu para servir e atender a ambição, delírio e principalmente falta de responsabilidade do próprio Estado que era seu gestor, mas que preferia beneficiar o compadrio político e econômico da época."Uma das maiores mentiras que se conta é negar que foi o Estado que quebrou o Produban. Sucessivos e costumeiros saques a descoberto eram realizados pelo governo. Cumplicidade com o calote privado.   A disciplina financeira não é própria da Fazenda Publica", desvendou o sindicalista.Mesmo indo resgatar informações históricas sobre o derretimento do nosso patrimônio e desmonte do projeto de futuro, ele não deixa de considerar que o presente continua comprometido. Isso porque os vícios para eleger e se manter no poder passa pelo "mal costume" espalhado em boa parte da população e vários segmentos."O setor público de Alagoas exorbitou seus limites ao ponto de a venda do voto já não ser mais um desvio ético do cidadão eleitor, mas uma necessidade visceral", pontou Torres.FuturoO fato é que o Estado que para para relembrar sua história de independência de Pernambuco, para beneficiar historicamente suas elites da época ficou distante do desenvolvimento coletivo. Deixou os vizinhos de mapa, mas só existe no seu próprio território dependendo de milhões de recursos federais. A região mais atrasada de outrora, agora, é o Estado mais atraso de então.As elites atuais se alternam no poder com projetos que beneficiam a seus familiares, a camarilha que os cercam, com estratégias ou tramas que visam a longevidade de seus cargos. Os processos eleitorais quase sempre servem para consolidar tais interesses, com  o aval da mesma população que não deixam crescer, nem enxergar o que representam.Por ironia, quis o destino, que um músico e compositor pernambucano Chico Science, já falecido, na música - A cidade, fizesse a melhor definição de todo esse debate significa: "o de cima sobe e o de baixo desce".

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