Coronelismo est� vivo e quer poder em Batalha
ARNALDO FERREIRA Encravado na bacia leiteira de Alagoas, o município de Batalha, distante 170 quilômetros de Maceió, perdeu a sua tradicional tranqüilidade. As causas do clima de insegurança mostram uma combinação de política e pistolagem. Famílias
Por | Edição do dia 25/01/2004 - Matéria atualizada em 25/01/2004 às 00h00
ARNALDO FERREIRA Encravado na bacia leiteira de Alagoas, o município de Batalha, distante 170 quilômetros de Maceió, perdeu a sua tradicional tranqüilidade. As causas do clima de insegurança mostram uma combinação de política e pistolagem. Famílias que nunca se deram muito bem ficam um pouco mais ásperas, agora, em ano de eleição. A gente espera que a cheia do Rio Ipanema, só vista assim em 1974, sirva para tranqüilizar os políticos locais, disse o servidor público José Berlange de Melo, que trabalha na Central de Inseminação Artificial, da Secretaria Estadual de Agricultura, naquela cidade. O clima de medo da violência política é facilmente percebido no semblante da maioria das pessoas da cidade. Também não é difícil notar que os jagunços (pistoleiros que trabalham como supostos seguranças de fazendeiros e políticos violentos da região) voltaram a circular na cidade. Eles são notados porque a maioria anda com óculos escuros até em dias nublados e de chuva. São esses jagunços que levam a população e as autoridades a acreditar que a disputa pela prefeitura e pelas nove cadeiras da Câmara Municipal este ano poderá ser uma das mais violentas dos últimos anos. Coronelismo O coronelismo dominou Batalha durante décadas. Nos últimos 30 anos, tinha como seu maior representante o fazendeiro e ex-prefeito José Dantas Rodrigues, o Zé Miguel - morto numa emboscada no dia de seu aniversário, em 19 de março de 1999, junto com a esposa, Matilde Toscano. Era o homem mais temido da região. Até hoje ninguém foi a julgamento pelo crime. Agora, este tipo de poder tenta voltar às disputas eleitorais com novos personagens. Política A essa altura, Batalha já contabiliza cinco pré-candidatos a prefeito. Um deles é o fazendeiro Adelmo Rodrigues de Melo, conhecido como Neguinho Boiadeiro, 47 anos, casado, três filhos. Seu irmão, Láercio Boiadeiro e alguns dos seguranças são suspeitos, segundo a polícia, de serem os matadores de Zé Miguel. Até agora, nada foi provado. Neguinho Boiadeiro é uma espécie de novo coronel da região, título que ele renega. Mas a GAZETA DE ALAGOAS constatou que o fazendeiro é respeitado por alguns e temido por muitos no município. O fazendeiro Neguinho Boiadeiro está filiado ao Partido Humanista Social (PHS). Hoje, tenta ampliar suas alianças políticas e empresariais, para sustentar o sonho político de ser prefeito de Batalha. Mas sabe que tem muitos adversários. Ainda estou conversando com os meus amigos para ver se dá para sair candidato a prefeito, revela. Os outros candidatos são Joaquim Douca, conhecido como Quinca Douca (PSB), Paulo Dantas (PMDB)- filho do ex- deputado Luiz Dantas -, Aloísio Rodrigues de Melo (PDT) e o prefeito Ermani Pereira de Melo (PTC) conhecido na cidade como Minha. Os quatro últimos pré-candidatos têm em comum a ligação política com a família Dantas, particularmente com o ex-deputado federal Luiz Dantas - irmão de Zé Miguel e ainda hoje considerado a maior liderança política da região. Na disputa eleitoral é evidente que os Dantas e os Boiadeiros são adversários e inimigos. Mas os quatro pré-candidatos a prefeito preferem não tomar partido. Social A pequena Batalha tem 321 quilômetros quadrados e uma população de 14.799 habitantes. Apesar do clima de violência patrocinada pelo coronelismo e o machismo dominante, a estatística feminina aparece como maioria no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE, que mostra 7.530 mulheres contra 7.269 homens. Desse total, 10. 322 pessoas moram na área urbana e 4.477 na zona rural. A taxa de alfabetização melhorou e subiu para 61,90% da população. A Câmara Municipal acaba de aprovar, em sessão extraordinária, a criação da Faculdade de Ensino Superior de Batalha. A faculdade ainda não tem data definida para começar a funcionar. Mas inicialmente vai oferecer cursos de Letras, Matemática e Biologia, revelou o ex-presidente da Câmara Municipal, Romeu Pita, hoje assessor especial do prefeito Ermani Pereira. A criação da Faculdade de Batalha é mais um passo para melhorar a formação cultural do seu povo e assim ir abolindo a cultura do coronelismo, que tanto prejudicou a cidade, disse Romeu Pita. Eleitorado O analfabetismo político, no entanto, ainda é um dos graves problemas da região. Os números oficiais confirmam. O cartório eleitoral da cidade tem cadastrados 9.432 eleitores, dos quais 2.446 são analfabetos e cerca de 3.200 apenas lêem e escrevem o próprio nome. Outro dado interessante na estatística oficial é que entre os 3.248 imóveis localizados na área urbana, apenas 1.023 domicílios têm banheiro ou sanitário. Nos povoados rurais, os caminhões-pipa dos fazendeiros e dos políticos abastecem as comunidades. No campo administrativo, o município também chama a atenção. Há cinco meses, o prefeito Francisco José de Oliveira, mais conhecido como Chico Doca (PSB), foi afastado da prefeitura depois de suas contas terem sido rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado e ele ter sido denunciado pelo procurador-geral de Justiça Dilmar Lopes Camerino, por improbidade administrativa, ou seja, aplicação indevida do dinheiro pública. O vice-prefeito Ermani Pereira assumiu a titularidade do Executivo Municipal e confessou à GAZETA DE ALAGOAS que encontrou a prefeitura inadimplente e numa grande desordem administrativa. Conseguimos sanear a administração, pagamos os credores, voltamos a comprar 80% das nossas necessidades no mercado local, pagamos os salários de dezembro e o décimo terceiro do funcionalismo no prazo estabelecido pela lei, comemorou Ermani Pereira. Como a cidade vive uma grande crise social por falta de empregos, estamos fazendo compras de quase tudo que a prefeitura precisa no mercado local. Assim, promovemos a circulação de dinheiro na cidade, acredita o prefeito. Apesar da miséria social, a arrecadação municipal gira em torno de R$ 500 mil/mês, que vêm do Fundo de Participação Municipal (FPM), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e transferências federais. Batalha é economicamente conhecida como a capital da Bacia Leiteira, reunindo sete municípios que produzem em períodos de estiagem 250 mil litros de leite/dia, a segunda maior produção do Nordeste. A primeira é Pernambuco. A produção local gira em torno de 80 mil litros/ dia . Apesar de tanta riqueza econômica, a população é pobre e, segundo os dados da prefeitura, 80% da mão-de-obra produtiva está desempregada. Para evitar uma crise social maior, a prefeitura criou o programa Fome Zero Municipal e, com recursos próprios, garante que distribui cestas básicas a mais de mil pessoas. Ao justificar por que é candidato à reeleição de uma região com tantos problemas sociais, o prefeito Ermani Pereira explicou que entrou na política em 1972, quando se elegeu vereador, foi presidente da Câmara Municipal e depois disso exerceu, por três vezes, o cargo de vice-prefeito. Ao completar 62 anos, acho que minha última tarefa é administrar Batalha e construir a paz. Por outro lado, estou com um cavalo selado à minha frente, não posso deixar ele sair sem montar. Esta é a minha melhor chance de administrar Batalha e construir um novo momento político. Porém, Ermani sabe que para realizar o seu sonho tem um longo caminho a percorrer, numa cidade que hoje está dominada pelo medo da política eleitoral. Ele não escondeu, também, que a população vive um clima de preocupação com a violência política. Mas, para tranqüilizar os eleitores, disse que não há mais espaço para a volta do coronelismo. O povo está esclarecido, quer escola, emprego, paz e precisa construir seu desenvolvimento. Vivemos um momento novo, das tecnologias, não podemos mais voltar ao passado, desabafou Ermani. Prisão A preocupação com a volta do coronelismo e da violência política em Batalha não é só do prefeito. Há motivos fortes para a população temer pelo pior. Há 20 dias, a polícia prendeu Jasson Lacerda Cavalcante e Gil César Marques, ambos são uma espécie de seguranças, anjos da guarda de Neguinho Boiadeiro. Eles foram flagrados por porte ilegal de armas. O juiz da cidade, José Zacarias Sobrinho, acatou o habeas-corpus impetrado em favor dos acusados e em três dias os liberou. Isto terminou irritando as autoridades policiais e segmentos da população. O caso ganhou repercussão porque um deles, Jasson Cavalcante, está denunciado como um dos matadores do fazendeiro Zé Miguel. A cúpula da Secretaria de Defesa Social e até o próprio secretário Robervaldo Davino temem que a liberação de Jasson possa aumentar a animosidade entre as famílias. Guerra Na sexta-feira, o delegado regional de Arapiraca, Cícero Torres, também responsável pela delegacia de Batalha, confirmou que a população está apreensiva por causa do clima pré-eleitoral. No campo social, o delegado garantiu que está tudo em ordem. O povo é ordeiro e trabalhador, apesar do grande índice de desemprego na região. O medo da população é da violência política. E as pessoas têm razão de estar preocupadas, frisou o delegado. Torres confirmou a existência de um clima de guerra política entre o vereador Sandro Pinto (PP) e o fazendeiro Adelmo Rodrigues de Melo - o Neguinho Boiadeiro. Os dois trocam ataques verbais e as autoridades locais tentam evitar o confronto entre eles, disse Torres. Sandro Pinto também é ligado à família Dantas e diz que se sente ameaçado pela família de Neguinho Boiadeiro. Já o fazendeiro alega que o vereador é um desordeiro que quer se promover as suas custas. Os dois entraram em rota de colisão nas eleições de 2002. Dois filhos menores de Boiadeiro teriam feito provocações contra o vereador. A partir daí, as duas famílias passaram a trocar ameaças. Agora, o mais grave nesta história toda: se houver um confronto ou uma guerra política entre famílias em Batalha, conforme profetiza o próprio delegado Cícero Torres, a polícia nada poderá fazer. O clima é tenso e não temos estrutura operacional e nem efetivo suficientes para desarmar os que perturbam a paz de Batalha, admitiu o delegado Cícero Torres. Ele explicou que a delegacia municipal está com os telefones cortados por falta de pagamento, as contas de energia estão atrasadas há quatro meses e a delegacia funciona numa velha casa alugada. O aluguel, segundo o delegado, é de R$ 300,00 e quem paga é a prefeitura. A Secretaria de Defesa Social deve receber a qualquer momento um relatório do delegado Cícero Torres sobre o clima de tensão em Batalha e a falta de estrutura para garantir a paz e a tranqüilidade neste período pré-eleitoral. Justiça O juiz da cidade, José Zacarias, e o promotor de Justiça, Adriano Jorge Correia Barros Lima, perceberam a crise da falta de estrutura policial e o acirramento da inimizade política entre o vereador Sandro Pinto e o fazendeiro Neguinho Boiadeiro. As autoridades se anteciparam, e convocaram os dois políticos para uma reunião no Fórum da cidade. O escrivão Luiz Eduardo Souza Calheiros acompanhou o encontro. O juiz e o promotor, depois de ouvir as partes, lembrou da necessidade de respeitar a lei e a ordem pública. Depois disso, o clima melhorou, assegurou o escrivão. No encontro, Neguinho Boiadeiro prometeu não fazer nada contra o vereador Sandro Pinto. O vereador, por sua vez, disse que também evitaria os comentários contra Boiadeiro. Mas os ataques verbais entre eles não cessaram. A população acompanha a animosidade à distância e teme um confronto entre ambos. Padre O padre da cidade, Josevel Mendes, prega a paz entre os políticos. Como é a principal autoridade religiosa desta região da divisa entre o Sertão e Agreste quer reunir os cinco pré-candidatos a prefeito. Vai pedir a todos para desarmarem os espíritos e que não transformem a disputa eleitoral numa guerra. Desde outubro passado, o padre tenta pôr em prática o projeto de candidatura única ou de, no máximo, duas candidaturas pela disputa à prefeitura. Mas os políticos locais o evitam de todas as formas. A candidatura única ou de no máximo dois nomes daria fim a este acirramento entre os candidatos e a paz triunfaria, destacou o padre. O projeto ainda não morreu. Padre Jesevel vai tentar realizar um encontro entre os pré-candidatos a prefeito até março. Primeiro, precisamos conhecer quem são realmente os pré-candidatos a prefeito. Na cidade, as pessoas falam em cinco pré-candidatos. Até março, quero fazer uma reunião com eles e propor a construção da paz. Jesevel conhece bem a política local, está como padre em Batalha há 23 anos. A gente conduz os tementes a Deus para a direção da paz, da harmonia, da fraternidade e da defesa da família. Mas ele próprio reconhece que a pregação da paz e de poucas candidaturas só funcionou até o ano passado, antes de começar a movimentação dos políticos locais para o período pré-eleitoral. Este ano é de política, de eleições para prefeito e vereadores. Os ânimos se exaltam. O interesse de alguns grupos é o poder, e querem chegar lá a todo custo, lamentou. Padre Jesevel revelou que a população teme a volta da violência política e trava uma luta silenciosa para banir do poder político local a interferência do coronelismo. A gente percebe, conversando com as pessoas na cidade, na Igreja, que não há mais espaço para o domínio do coronelismo. O tempo desse tipo de político, que anda cercado de homens (jagunços) para intimidar os eleitores já passou. Para os que ainda pensam em chegar ao poder por meio da violência, dos jagunços, o padre defendeu que eles precisam se conscientizar que os tempos mudaram. Acho que os políticos de Batalha precisam parar e ver que se gasta muito dinheiro nas campanhas de prefeito e vereador. Eles (os políticos) poderiam usar parte desses recursos na melhoria da cidade e ajudar as centenas de desempregados. O padre, no entanto, disse não temer nenhum dos pré-candidatos. Declarou que todos são católicos e tementes a Deus. Acredito que eles vão fazer valer o bom senso e promoverão uma campanha pacífica. Ao concluir, padre Jesevel citou Jesus Cristo: Quem quiser ser o maior entre vós, que seja o primeiro a ser mais servidor.