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Nº 5856
Política

EDITAIS DE LICITAÇÃO PARA OBRAS DO GOVERNO DE ALAGOAS SOB SUSPEITA

Documentos são permeados de exigências que afunilam a participação de construtoras, beneficiando apenas um nicho de empresas que já ergueram grandes obras para o Estado e penalizando as demais

Por arnaldo ferreira | Edição do dia 10/08/2021 - Matéria atualizada em 10/08/2021 às 04h00

Uma série de editais de licitação divulgados pelo governo de Alagoas a menos de um ano do fim do mandato do governador Renan Filho (MDB) tem gerado indignação entre os empresários do setor. São editais para a construção de 80 creches, 80 unidades básicas de saúde, 30 Complexos Integrados de Segurança Pública (CISPs), 308 celas e reformas no sistema prisional de Maceió. O que chama a atenção é o fato de as obras serem planejadas em construção por lote, em sistema modular, a exigência de capital técnico e financeiro das construtoras compatível com os empreendimentos milionários. Isto significa que entre as mais de 100 construtoras do Estado, que geram milhares de empregos, menos de cinco têm condições de atender aos editais, sendo que três delas fizeram contratos que totalizam mais de R$ 1 bilhão em obras públicas no período de 2014 a 2021.

Empresários preteridos ouvidos pela Gazeta querem que as licitações sejam individuais e não em lotes, como planejou o governo e que, desta forma, inviabiliza a participação de pequenas e médias empresas.

Hoje, encontra-se em fase de licitação, em segunda chamada, pelo governo de Alagoas o sistema de registros de preços para contratação de empresa de engenharia que fará a elaboração de projetos executivos e construção de 80 unidades escolares de educação infantil. As creches serão construídas em Regime Diferenciado de Contratação, conforme prevê o Edital RDC Eletrônico SRP nº 001/2021. O projeto está dividido em quatro lotes de 20 unidades, cada uma de R$ 4,75 milhões, ou seja, um total de R$ 95 milhões. O Regime Diferenciado de contratação é uma modalidade de licitação criada pela Lei Federal 12.462, de 2011, durante o governo de Dilma Rousseff, que atendia a grandes empresas ganhadoras das licitações para construções de equipamentos voltados aos jogos Pan Americanos e a Copa. As investigações dos órgãos de fiscalização e controles do País constataram superfaturamento e ações que restringiram as pequenas e médias empresas de participar dos certames licitatórios nacionais. No caso da licitação para a construção de creches de Alagoas, fontes ligadas ao governo, às empresas e ao mercado da construção que se sentem preteridas observam que ao dividir a contratação em lotes de 20 creches que resultam em contratos de R$ 95 milhões, o edital praticamente restringe a participação de construtoras de médio e pequeno portes, por conta da capacidade financeira, técnica e operacional. Isto porque ficam explicitadas exigências do tipo pequeno intervalo de tempo entre a publicação do edital e a licitação, insuficiente para elaboração da proposta que tem de estar calçada com planilhas, documentos e detalhes técnicos. Como as obras serão construídas em sistema modular, dominada por apenas quatro empresas no País, este é outro impedidor para as construtoras menores. Para participar do certame tem ainda a exigência de patrimônio líquido mínimo do interessado equivalente a 10% do valor estimado, ou seja R$ 9,5 milhões. Se a contratação fosse por unidade, a exigência seria de R$ 475 mil e, desta forma, abriria a frente para dezenas de empresas participarem do processo. Quem ganhar a licitação terá que executar a obra em sistema modular pré-fabricado.

Da primeira chamada da RDC 01/2001, consta ainda que a empresa que ganhar a licitação terá que arcar com o “transporte comercial de São Paulo para Alagoas”. As fontes do setor questionam: como pode o edital prever que o material para a construção das creches virá de São Paulo? O edital foi elaborado pelo governo do Estado, Secretaria de Estado de Infraestrutura e a Comissão Especial de RDC, que, em tese, devem desconhecer qual será a empresa vencedora.

Em função do sistema construtivo [de placas] escolhido pelo governo do estado, o preço por metro quadrado é estimado pela comissão licitatória em R$ 5.852,00. Por outro lado, o orçamento básico para a construção de creches do mesmo porte em contratação pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) é da ordem de R$ 3 mil. Por essas contas estaria caracterizado um possível superfaturamento de 95%. No País, apenas três empresas dominam a fabricação do sistema construtivo escolhido pelo governo de Alagoas para a edificação de creches em sistema modular com placas: DBN (Deboni Sistema Construtivo Ltda.), Siscobras sistemas construtivos do Brasil Ltda. e Verdi Sistemas Construtivos Ltda., todas pertencentes aos mesmos empresários da família Deboni. A maioria teria problemas ou pendências com a Justiça em outros estados.

Outro detalhe que chama a atenção é que este mesmo sistema RDC foi utilizado na construção dos cinco hospitais durante o governo Renan Filho.

O Regime Diferenciado de Contratação é o mesmo do edital RDC Eletrônico nº 007/21, cujo objeto é a contratação integrada para a elaboração de projetos e execução de reforma e ampliação da Penitenciária Masculina de Segurança Máxima, com a criação de 308 vagas; reforma do presídio de segurança máxima; e reforma do estabelecimento prisional Santa Luzia, todos no Complexo Penitenciário de Maceió. O RDC é de 20 de agosto de 2021. O modo de disputa é fechado. O critério de julgamento e escolha dos participantes é o que oferecer o menor preço - o Regime de Contratação Integrada. O orçamento para a obra consta no edital como “sigiloso”. Desta maneira, as empresas não podem mensurar, inclusive, se há ou não superfaturamento, revelou uma das fontes dos setores reclamantes. Outro edital (RDC Eletrônico nº008/2021) trata do sistema de registros de preços para a construção de 80 Unidades Básicas de Saúde (UBS), do tipo 1, de forma a atender às necessidades das gerências regionais. O modo de disputa é combinado, mas o critério de julgamento será pelo menor preço. O regime de construção é por empreitada e por preço global. Outro fato curioso: o orçamento aí também é sigiloso. Desta forma, é impossível avaliar qualquer tipo de irregularidade que viesse a acontecer.

CISPs TÊM PREÇO DE APARTAMENTO DE LUXO NA ORLA

O modelo RDC com utilização de placas foi empregado também na construção de delegacias que funcionam como Centros Integrado de Segurança Pública. Os policiais militares e o próprio presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Ricardo Nazário, têm feito críticas fortes ao empreendimento, que custou entre R$ 2 milhões e R$ 8 milhões. Com mais de um ano construídos, a maioria dos Cisps apresenta problemas estruturais.

As placas que dividem salas, dormitórios e o forro do teto são de madeira prensada. Alguns delegados e policiais dizem que um tiro na parede da frente pode perfurar os cômodos até a bala chegar nos fundos dos prédios. O xadrez e banheiros são de alvenaria com grades reforçadas.

Apesar das críticas, um novo edital RDC eletrônico, nº 009/2021, tem por objeto o sistema de registro de preços visando a futura e eventual construção de 30 CISPs tipo 1. Os equipamentos da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) serão implantados em municípios definidos mediante estudo do índice de violência da SSP.

O regime de execução obedece à empreitada por preço global. Conforme planilha, a área de telhamento (coberta) de cada CISP é de 239 metros quadrados. Cada prédio será licitado com o preço básico fornecido pelo governo do Estado, por R$ 2.560.365,21, com o preço por metro quadrado ficando, portanto, em R$ 10.712,82. Se comparado aos praticados pelo mercado imobiliário, cada CISP tem preço de apartamento de luxo à beira mar, ou seja, dos endereços mais caros de Maceió, disse uma fonte do setor.

Os empresários temem fazer denúncias abertas porque alguns executam pequenas obras do Estado.

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