Política
GOVERNO DE ALAGOAS INICIA 2022 SOB INVESTIGAÇÃO
Órgãos como TCE, TCU, MPF e MPE apuram denúncias sobre aplicações de recursos da Saúde, irregularidades na obra do Canal do Sertão e licitações vencidas por um seleto grupo de empreiteiras


Ministérios Públicos Federal, Estadual, de Contas e Tribunais de Contas da União e do Estado estão entre os órgãos que investigam, neste momento, supostas irregularidades em diversos setores da administração Renan Filho (MDB). As investigações envolvem desde aplicações de recursos da Saúde como pagamentos de supersalários para servidores envolvidos no esquema de plantões fantasmas, de assessores da articulação política do governo, além irregularidades no trecho V do Canal do Sertão, que está parado, as licitações milionárias em lotes vencidas frequentemente pelo “clube de empreiteiras”, que reúne entre quatro a cinco construtoras em detrimento de 100 pequenas e médias empresas da construção civil, e até os atrasos nos pagamentos das viúvas da PM.
Fontes do Judiciário e do Ministério Público revelaram ainda que os órgãos de fiscalização e controle federais e estaduais estão de olho também na distribuição de dinheiro público na Educação em formato de bolsa escolar para estudantes e professores, como denunciam educadores, deputados e o Sindicato dos Trabalhadores na Educação. A Gazeta buscou informações oficiais e soube que, por enquanto, não existe nenhuma investigação nesse sentido dos órgãos de fiscalização e controle.
Porém, recentemente deputados estaduais e o Sinteal lamentaram os programas de Educação com pagamento de R$ 100 para estudantes que frequentarem 75% das aulas, bolsa de R$ 2 mil para estudante que abandonou o estudo e voltar a se matricular; outra bolsa de R$ 1,5 mil para quem concluir o ensino médio e gratificação de R$ 1,5 mil/mês para o professor envolvido com a busca ativa e a produtividade escolar. Segundo os deputados e o Sinteal, a estratégia não resolve os problemas da evasão escolar e do alto índice de analfabetismo. Eles cobram uma política de Estado e condenam a doação de bolsas financeiras em ano eleitoral.
Investigações MPE
Os pequenos e médios empreiteiros de Alagoas receberam com satisfação a determinação da Procuradoria-Geral de Justiça, que designou a 18ª Promotoria da Fazenda Pública para investigar os contratos de obras de fim de governo na saúde, educação, segurança e presídios, com um seleto grupo de construtoras. A promotora de Justiça Stela Cavalcante já determinou a instauração de Procedimento Preparatório de Inquérito Civil para apurar supostas irregularidades nas licitações que favorecem o grupo em detrimento de 100 empresas de portes menores.
Com relação às investigações das gratificações milionárias para servidores da Saúde e a suposta folha de pagamento paralela, as investigações estão em curso por cinco promotores. Porém, a assessoria de Comunicação do MPE/AL não forneceu mais detalhes e justificou que a instituição está em recesso até o dia 2 de janeiro. Por outro lado, o MPE também está envolvido num processo eleitoral interno para escolher o novo procurador-geral de Justiça.
Realidade
A maioria dos 3,3 milhões de alagoanos chega ao final de 2021 identificando duas Alagoas: uma de “faz de conta”, onde tudo é bonito e funciona conforme a propaganda oficial do Executivo; e a outra é a do Estado com alguns dos piores indicadores nacionais das estatísticas sociais de desemprego, desalentados, extrema miséria, analfabetismo e evasão escolar.
A Alagoas da prosperidade da propaganda do governador Renan Filho (MDB) mostra a Agricultura, Educação, Saúde, Segurança, a Infraestrutura executando obras com recursos próprios e bons resultados nesses segmentos. Não cita, por exemplo, a qualidade duvidosa das obras e a origem de parte dos recursos retirados do Fundo de Combate à Pobreza (Fecoep), que, em seis anos, arrecadou mais de R$ 1,7 bilhão e investiu menos de R$ 600 milhões em projetos perenes de erradicar a miséria. Ainda assim, mantém retidos mais R$ 600 milhões, enquanto um terço da população passa fome e não tem perspectivas, revelam os dados oficiais da Secretaria de Estado da Fazenda, do IBGE.
A outra Alagoas que não aparece na propaganda é a do mundo real, disse o deputado Bebeto (PTC). A do estado com o sucateamento estrutural, com a maioria das grandes obras precisando ser refeitas com menos de dois anos de uso. O deputado David Maia (DEM) cita como exemplo a construção dos Centros Integrados de Segurança Pública (Cisps) como prédios públicos com menos de dois anos e precisam de reparos. Outro exemplo negativo são os trechos da duplicação da AL 220 que liga os municípios de Arapiraca e São Miguel dos Campos, conhecidos como “asfalto sonrisal", que, com menos de dois anos de inaugurado, derreteu. Os empreiteiros preteridos nas licitações do Executivo estadual revelam que o material utilizado é de baixa qualidade. Eles cobram licitações individuais e construções em sistema tradicional para movimentar a economia e toda a cadeia da construção civil estadual.
O governador, por meio de interlocutores, como o líder do governo no Legislativo, deputado Silvio Camelo (PV), disse “não” às reivindicações dos construtores. Justificou as licitações em grandes lotes de certames milionários, alegando pressa e prazo definido para entregar as obras ainda no mandato dele, que deve terminar no dia 2 de abril, caso venha participar das eleições gerais do próximo ano.
“Vaquinha”
Mesmo assim, o Sindicato dos Policiais Civis e entidades de PMs e de Bombeiros Militares reclamam de perdas salariais, das negociações demoradas com o governador, denunciam a existência de mais de 100 delegacias, grupamentos militares e o acervo arquitetônico do quartel geral da PM sucateados. A situação chegou a tal ponto que a União dos Policiais Militares se articula com as entidades militares para arrecadar fundos a fim de “salvar” o centenário parque arquitetônico da Praça da Cadeia. “Queremos arrecadar fundos, fazer uma vaquinha e o que for preciso para recuperar o QG, a nossa Capela, o Hospital, o Cinema da PM e o Centro de Policiamento da Capital. Vamos buscar recursos com governos federal, prefeituras e empresas privadas. Queremos fazer o que o governador prometeu e não fez há seis anos”, disse o presidente da UPM, tenente Giovani Máximo.
Em maio passado, o secretário de Segurança, Alfredo Gaspar de Mendonça, divulgou um vídeo onde aparece ao lado do comandante-geral da PM, coronel Wellington Bittencourt, anunciando a reforma do Quartel Geral da PM. Até agora, o acervo arquitetônico permanece abandonado.
“Quem quer dinheiro”
A Política de Educação ganhou o jocoso slogan de “Política Sílvio Santos - Quem quer dinheiro”, lamentam professores, diretores de escolas, a deputada Jó Pereira que é da Comissão da Educação na Assembleia Legislativa, entre outros deputados. A direção do Sindicato dos Trabalhadores da Educação também condena a estratégia de oferecer dinheiro em forma de bolsa financeira para alunos. “Essa é uma tentativa desesperada de reduzir os elevados índices de analfabetismo e evasão escolar” lamentou o deputado Davi Maia (MDB), ao lembrar que Renan no discurso de posse prometeu priorizar a educação. A deputada Jó Pereira, professores, Sinteal e técnicos cobram uma política de Estado e o fim da gestão eleitoreira na Educação.
Outro setor que fecha o ano com a sensação de abandono é o da agricultura familiar. Passou três anos sem sementes, sem assistência técnica. Em 2019 e 2020, a situação do setor piorou porque o governo prometeu comprar a produção e não o fez. Agora o setor implora para que o governo copie a gestão de 50% dos 102 municípios que estão adquirindo o produto da agricultura familiar para incluir no cardápio da merenda escolar. Depois de seis anos, o líder do governo na Assembleia, deputado Sílvio Camelo (MDB), revelou que a proposta dos agricultores familiares está em discussão no Palácio do governo. Ele acredita que ano que vem se adotará a estratégia do prefeito de Maceió, JHC (PSB), que utiliza 100% de produtos da agricultura familiar no cardápio da merenda escolar.
Já a reforma agrária prometida pelo governador nas terras de usineiros falidos da Zona da Mata nunca saiu do papel. Mais de sete mil sem terras de dez movimentos agrários, acampados desde 2016 em União dos Palmares, temem ser despejados. “As famílias foram estimuladas a irem para União dos Palmares, cadê a reforma agraria?”, cobram as lideranças rurais, como o presidente da Frente Nacional de Luta pela Reforma Agrária, Marcos Antônio “Marrom” da Silva.
Hospitais
Nas últimas semanas, Renan Filho destacou a construção de cinco hospitais e Unidades de Pronto Atendimento nos municípios como um dos maiores feitos da gestão dele. No entanto, não revelou que parte dos recursos saiu do Fundo de Combate à Pobreza. Enquanto isso, um terço da população chega ao final do ano desempregada, com fome, na extrema miséria e sem perspectivas para 2022.
Nos hospitais novos, não há reclamação dos pacientes nem dos trabalhadores. Os gestores afirmam que tudo funciona, mas não escondem o medo de como ficará a manutenção de cada unidade hospitalar após o fim da gestão Renan. Cada UPA precisa, hoje, de no mínimo de R$1,5 milhão/mês, e a despesa é dividida com o governo federal, que banca 50%, e os outros 50% são divididos entre estados e municípios. Já a manutenção de um hospital de pequeno porte está orçado em R$ 3,5 milhão/mês, cada um. Por isso, a preocupação é de que em breve venha enfrentar a agonia do Hospital Geral do Estado.
MPF
Os documentos apresentados pelo deputado Davi Maia, em 15 de outubro passado, ao Ministério Público federal a respeito de gratificações milionárias a servidores da Saúde Pública Estadual envolvidos em plantões fantasmas, pagamentos de assessores do governador, de vereadores e até de cabos eleitorais foram juntados à ação civil pública nº 0811489-46.2021.4.05.8000, ajuizada em 16 de julho de 2021. A informação foi confirmada pela Assessoria de Comunicação do MPFL/AL. Os documentos "robustecem os elementos fáticos” sustentados pelo MPF visando à correção da irregularidade identificada.
A Ação Civil Pública decorreu das informações apuradas no Inquérito Civil n.º 1.11.000.000365/2016-71, instaurado para apurar noticia de pagamento, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), de gratificações a servidores efetivos e comissionados da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas e da Universidade Estadual de Ciência da Saúde de Alagoas.
As informações apuradas também foram encaminhadas para o Núcleo de Combate à Corrupção, em julho de 2021, a fim de que sejam analisadas sob a ótica da improbidade administrativa. Os documentos apresentados em 15 de outubro também foram juntados no procedimento preparatório que está em análise pelo Núcleo de Combate à Corrupção do MPF em Alagoas.
No momento, o procedimento preparatório está em análise, aguardando resposta da Uncisal ao ofício encaminhado em setembro de 2021, além da análise dos novos documentos anexados.
Todo o procedimento está em análise de acordo com a nova redação dada pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, à Lei de Improbidade Administrativa (LIA).