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Nº 5695
Política

ESPECIALISTAS ANALISAM NOVA REGRA PARA CANDIDATOS NEGROS E MULHERES

Medida é considerada um avanço, mas não suficiente para mudança na cultura política e partidária

Por Mariane Rodrigues | Edição do dia 15/01/2022 - Matéria atualizada em 15/01/2022 às 04h00

As mudanças nas regras eleitorais para as eleições de 2022 até 2030 foram promulgadas em setembro do ano passado, e uma das principais alterações beneficia mulheres e candidatos negros, com o objetivo de reduzir as desigualdades nas representatividades políticas em relação a esses grupos: na nova regra, mulheres e negros candidatos à Câmara dos Deputados terão contagem dos votos em dobro como critério para a distribuição de recursos dos fundos partidários e de financiamento de campanha.

A Emenda Constitucional 111 aprovada no Congresso Nacional diz que, “para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro”.

Em regra, os recursos do Fundo Eleitoral são distribuídos da seguinte forma:

• 2% dos recursos devem ser divididos igualmente para todos os partidos; • 35% dos recursos devem ser divididos entre os partidos na proporção do percentual de votos por eles obtidos, desde que tenham ao menos um representante na Câmara da eleição anterior; 48% dos recursos devem ser divididos entre os partidos conforme sua representação na Câmara;

• 15%, divididos entre os partidos políticos conforme sua representação no Senado Já o Fundo Partidário tem o seguinte critério:

• 5% dos recursos serão divididos igualmente entre todos os partidos aptos registrados no TSE;

• 95% dos recursos serão distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara

A advogada eleitoral Gabriela Araújo explica que a nova regra se enquadra nos 35% e 95% dos recursos divididos entre os partidos de acordo com o percentual de votos obtidos por cada um. Quanto mais votos recebidos, mais o partido ganha. Assim, segundo a advogada, o cerne da emenda está nas reais chances desse público - mulheres e negros - ganhar uma eleição, já que os partidos terão mais estímulos em investir em suas candidaturas para que sejam mais votados.

“De modo que incentiva que os partidos invistam nessas candidaturas. Coloquem essas pessoas na disputa política de verdade. E, assim, consigam ter verdadeira possibilidade de ocupar o parlamento. Ou seja, trata-se de política afirmativa para que mulheres e pessoas negras tenham mais acesso às cadeiras do parlamento brasileiro, de modo que os partidos que investirem nessas candidaturas terão um recebimento mais robusto de recursos”, explica.

Nesse entendimento, Gabriela pontua ainda que esse é mais um mecanismo para combater as candidaturas “fakes”. “Essa medida surge para tentar combater, inclusive, as candidaturas fakes que visavam meramente o cumprimento formal das cotas mínimas de candidaturas de um dos gêneros pelos partidos”, explica.

Segundo a doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Luciana Santana, a nova regra tenta ampliar as oportunidades de mulheres e pessoas negras – grupos deficitários de representatividade política - de concorrerem em par de igualdade às eleições de 2022. No entanto, ela afirma que somente essa alteração não é suficiente.

“É um tipo de incentivo a mais que esses perfis vão ter, mas só a mudança na regra em si não é suficiente. A gente precisa ter mudança na cultura política e partidária no sentido de reconhecer esses perfis dentro de seus partidos, colocando em evidências nomes femininos e negros para que eles possam de alguma maneira ter visibilidade interna nos partidos, maior interlocução não apenas com os filiados, mas com a população como um todo”, pontua a especialista.

“Para reduzir essa desigualdade de representação, a gente precisa ter vários fatores combinados. A gente não pode esperar que só a regra faça milagre”. A legislação federal já confere regra que visa promover equidade entre os candidatos durante as eleições. É a cota para gêneros, ou seja, cada partido tem que ter uma cota de pelo menos 30% para qualquer um dos gêneros. Comumente e na prática, essa cota é aplicada para as mulheres. Entretanto, apesar de fiscalização consistente por parte do Tribunal Superior Eleitoral quanto ao cumprimento dessa exigência para que os partidos possam formalizar as candidaturas, brechas ainda são encontradas para burlar a regra, beneficiando grupos majoritários em representatividades nas bancadas: homens e brancos.

“Os partidos apresentam isso [cota obrigatória], tanto é que nesse sentido tem tido uma fiscalização atenta do TSE. O que acontece é que muitas dessas mulheres que entram nas listas, entram para completar essa cota e não necessariamente para ir para competição política, ir para a frente do jogo, fazer campanha e tentar ser eleito”, reforça a cientista política, Luciana Santana. É a candidatura “fake” citada por Gabriella Araújo. Quando os partidos inscrevem candidaturas de mulheres somente para atingir a cota obrigatória, mas não investem para que concorram verdadeiramente as eleições.

Para Luciana Santana, existe um perfil muito restrito de mulheres que de fato recebem investimentos partidários para concorrer em pé de igualdade as eleições. E elas, geralmente, são ligadas ou pertencem a famílias tradicionais da política. Dos nove deputados federais por Alagoas, oito são homens e apenas um é negro. “Os partidos burlam regras para distribuição de recursos para candidaturas femininas, privilegiando uma ou outra candidatura, muitas delas ligadas a outros nomes tradicionais da política e grau de parentesco e outras mulheres ficam sem apoio dos recursos necessários. Eles cumprem, em tese, a cota de distribuir para mulheres, só que de forma concentrada pra determinadas mulheres escolhidas a dedo”, pontua.

A ativista preta e coordenadora do Instituto Raízes da África, Arisia Barros enxerga a alteração com bons olhos. Para ela, essa é uma proposta concreta de “equacionar as diferenças”, mas pontua a necessidade desconstruir o racismo estrutural e os impactos sociais. “Há que pontuar a aplicabilidade de políticas públicas de estado que desconstruam o racismo estrutural e seus pesos sociais. O imaginário da sociedade brasileira evoca uma permanente subalternidade de pretos, legítima inferioridade, incapacidades e isso é expresso nas urnas. O avanço é considerável, entretanto, além das mudanças de regras eleitorais se faz urgente fazer valer todas as leis que deslegitimam o racismo no Brasil”, expõe a ativista.

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