Política
TOMBAMENTO DA SERRA DA BARRIGA COMPLETA 37 ANOS SEM PROJETO RELEVANTE
Coordenador diz que plano de transformar local em patrimônio do Mercosul não deu em nada


O tombamento da Serra da Barriga em solenidade presidida pelo então ministro da Cultura, Aluízio Pimenta, no topo da serra de Zumbi, em 1985, não trouxe nenhum projeto relevante prometido na época. No local foi planejada a construção de um hotel para abrigar pesquisadores, um centro de documentação dos povos que lutaram contra a escravidão no continente americano e uma biblioteca com documentos da história afrodescendente no Brasil e no continente, entre outros projetos. Nada saiu do papel nesses 37 anos. A observação é do coordenador do processo de Tombamento da Serra de Zumbi e militante do Movimento Negro de Alagoas, professor-doutor Zezito Araújo, ao destacar que a serra vive situação semelhante dos 71 Quilombos do Estado e das 12 comunidades indígenas, sempre lembrados de forma folclórica. Recentemente, a Serra de Zumbi passou a ser um Patrimônio Histórico do Mercosul. Nessa perspectiva, imaginava-se também que seriam feitos grandes investimentos e projetos para atrair pesquisadores e turistas do continente, numa política que poderia beneficiar sócio e economicamente a população negra. Novamente, nada aconteceu de concreto. O tombamento é apenas um marco temporal lembrado na data que marca o Dia da Consciência Negra.
O professor Zezito Araújo, que, junto com o Movimento Negro, trabalhou na organização do tombamento da Serra, afirmou que, “do ponto de vista econômico-social, o tombamento da Serra da Barriga, até agora, não trouxe nenhum benefício para a população negra de Alagoas”.
Na Serra, até 20 de novembro de 1694 estava edificado a República dos Palmares. Desde 1594, o Quilombo abrigava os africanos, descendentes e indígenas que escapavam da escravidão nas fazendas e ali montaram numa resistência. Chegou a ter uma população estimada em 20 mil habitantes. O Quilombo foi dizimado pelas tropas portuguesas do bandeirante Domingo Jorge Velho, que, um ano depois, localizou e esquartejou o líder negro Zumbi. No local hoje há um parque temático que supostamente representa uma réplica do Quilombo dos Palmares. Está regularmente aberto para a visitação. A partir do tombamento, parte da população que ocupava a Serra foi retirada, e o local está longe de ser um ponto que guarda o acervo cultural da luta contra escravidão e a discriminação racial no continente e no Brasil, lamentou o professor Zezito Araújo. “Na perspectiva socioeconômica, não houve nenhuma mudança na Serra da Barriga. O tombamento daquele patrimônio não trouxe benefício real para a população negra de União dos Palmares e nem de Alagoas”, repetiu. Ao ser questionado sobre os motivos que emperram o desenvolvimento dos projetos naquele local considerado sagrado, Zezito disse que a Serra da Barriga faz parte de uma história que uma parcela da população brasileira nega, que é a história da escravidão. “O tombamento da Serra não trouxe benefício para nós, porque a história é negada. Esse é o principal motivo de os projetos não evoluírem. O ato político do tombamento também não incorporou elementos que viessem beneficiar economicamente a população negra”.
O Movimento Negro de Alagoas anualmente é convocado para compor o aspecto folclórico da Serra e neste momento aproveita para chamar a atenção dos imensos problemas enfrentados pela população, admitiu o militante. “O movimento Negro não é chamado para discutir o processo de miserabilidade do nosso estado, por exemplo”, criticou o professor Zezito Araújo ao participar do Programa Conjuntura da TV Mar. Ao defender a política de reparação social, destacou que existem poucos cidadãos pretos em postos de comando nas instâncias de Poderes Federais, estaduais e municipais.
Sobre a política de cotas, observou que há reparação na perspectiva de acesso às universidades. Segundo ele, as estatísticas comprovam que o grau do rendimento acadêmico de cotista e não cotista são iguais. Esclareceu ainda que a cota não é uma política para negros e sim é para estudantes da escola pública. “Meus filhos são pretos, não entram no sistema de cotas porque não estudaram em escola pública. São oriundas da escola particular”, fez questão de frisar Zezito, ao lembrar ainda que o sistema de cota submete o estudante também à avaliação do Enem como qualquer outro que não seja cotista. Na comparação com os alunos das escolas públicas e privadas, concordou com a informação de que 80% dos 175 mil alunos matriculados nas escolas públicas estaduais não tem acesso a computador e na maioria das vezes não têm o que comer. “Por isso, defendo a política da equidade para gerar oportunidades para todos”.
Quilombolas
Ao revelar a situação social de 71 quilombos do Estado, destacou como as duas piores em condições socioeconômicas são observadas nos Quilombos Jacu e Mocó, no município de Poço das Trincheiras. Lá, a maioria das 150 famílias vive trancada em casa por conta dos problemas de esquizofrenia, depressão, nanismo, raquitismo, albinismo, suicídio e miséria como a Gazeta mostrou em reportagem especial no último fim de semana. Zezito Araújo desenvolveu pesquisa nas comunidades em 1984, retornou em 2004 e recentemente, constatou que até agora não houve nenhuma mudança social nos quilombos localizados na caatinga do sertão. “Sempre foi daquele jeito que está hoje”. Isso acontece por que, segundo o professor Zezito, faltam políticas públicas e existe um total descaso com as comunidades indígenas e quilombolas. “Jacu e Moco são as piores situações sociais nos Quilombos do estado e são um recorte social do nosso povo mais pobre”. De acordo com Zezito, 90% da população quilombola sobrevivem com R$ 400 do Bolsa Família (Auxílio Brasil), porque as comunidades não tem terra. “Muitos jovens negros não têm oportunidade e seus pais não têm acessos à terra. Infelizmente, essa ainda é a realidade”, frisou.