Política
ARCABOUÇO FISCAL APRESENTADO PELO GOVERNO DIVIDE ECONOMISTAS
Especialistas aprovam meta agressiva do plano, mas apontam insuficiência para controlar a dívida

O novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está longe de ser uma unanimidade entre economistas. Um ponto, no entanto, aproxima os especialistas: a avaliação de que o governo conta com um aumento de arrecadação expressivo para equilibrar as contas no prazo almejado. Alguns economistas aprovaram a proposta do governo, mas apontam insuficiência para controlar dívida. Especialistas disseram que projeto está melhor que o esperado, mas insuficiente para controlar a dinâmica econômica em um prazo razoável.
Os detalhes sobre a nova regra fiscal —amplamente aguardados por economistas e pelo mercado financeiro— foram anunciados pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) nesta quinta-feira (30). A proposta principal pressupõe um crescimento das despesas federais limitado a 70% do avanço das receitas primárias líquidas observadas nos 12 meses até junho do ano anterior. Ou seja, se a arrecadação subir 2%, o governo poderá aumentar seus gastos em até 1,4%.
Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, diz que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado. “Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar”, afirma. Em texto publicado na Folha de S.Paulo em dezembro de 2022, Marconi e outros especialistas defenderam um novo regime fiscal no Brasil, dizendo que o teto de gastos em vigor era uma obra de ficção. Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação.
“Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita”, diz. Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas. O problema, ele diz, é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos.
Nesta quinta, Haddad disse que vai apresentar um pacote de medidas para elevar a arrecadação federal entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano. A ideia é rever benefícios tributários e passar a cobrar impostos de setores que hoje não pagam, como o de apostas eletrônicas. A regra fiscal foi pensada para que as despesas tenham um aumento real (acima da inflação), mas em ritmo mais moderado do que o avanço das receitas —combinação considerada crucial para obter uma redução gradual do deficit e estabilizar a dívida pública. A previsão do governo é que o deficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha de S.Paulo.
Em 2025, a estimativa indica superavit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB. Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente. “Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superavit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superavit”, diz.
META AMBICIOSA
Na avaliação de Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Renascença e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, a trajetória para redução do deficit apresentada é muito ambiciosa. “Isso dependeria de um volume de receita que hoje não existe”, afirma. O cenário que ele simula não bate com as projeções do governo. Com o controle de gastos proposto, a expectativa é chegar a um deficit menor do que está sendo projetado atualmente. Nesse sentido, Salto diz que a regra é positiva, pois ainda que não seja suficiente para atingir as metas, ela produzirá resultados melhores, o que ajuda a estabilizar a dívida antes do previsto. Segundo ele, o novo marco fiscal traz ganhos em relação às regras que o Brasil teve anteriormente. O economista elogia, por exemplo, a forma como os gastos serão controlados. De acordo com a proposta, mesmo que haja uma arrecadação extraordinária, as despesas só poderão avançar até um teto de 2,5% ao ano.
“Para mim, já estava claro que o modelo fiscal deste governo seria baseado mais em medidas pelo lado da receita. O lado positivo é que [a regra] não deixa de contemplar a limitação do gasto”, afirma. Outro ponto considerado relevante é a “penalização” caso o governo descumpra a meta de resultado primário. Nesse cenário, a variação do crescimento das despesas cairá de 70% para 50% da alta de receitas no ano seguinte. Na visão de Salto, os 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado. Já Marconi discorda.
Para ele, o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%. “Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer”, afirma. Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. “A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico”, diz. “Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco”, acrescenta.
PROJEÇÕES
Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, a avaliação inicial é de que o marco fiscal não deve conseguir cumprir o que propõe. “As primeiras simulações indicam que com as regras de correção de despesa propostas não se chega ao superavit primário que o governo sinalizou como desejável, e que já são baixos. Boa parte da apresentação foi para dizer que se os juros baixarem o problema estará resolvido”, diz Mendes, que é um dos pais do teto de gastos.
Para o professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro, não ficou claro quais são as projeções que o governo está fazendo de crescimento dos gastos previdenciários. “Como o governo já se comprometeu a dar aumento real do salário mínimo, o crescimento dos gastos previdenciários vai ficar em torno de 3%. Não vejo como o governo vai manter ou recuperar o investimento em infraestrutura e repor as perdas salariais dos servidores. No fim, mantêm-se a lógica do teto de gastos, de esmagar os demais componentes do Orçamento, só que em câmera lenta.” Ele também considera que para as metas de resultado primário serem alcançadas, será preciso de um crescimento da economia de ao menos 2,3% ao ano. “Não é nada muito alto, mas é bem mais que a média de 2017 a 2022.”
GASTOS PREVIDENCIÁRIOS
O consultor econômico Raul Velloso reforça a necessidade de dar atenção aos gastos previdenciários antes de qualquer outra medida do novo arcabouço. “Não pode ser uma outra regra simples, como era o teto, sem mexer nas entranhas do gasto. A União não fez quase nada com o regime previdenciário de servidores dela, os estados e os municípios vão precisar fazer muita coisa também. Sem zerar o déficit, vai ser uma nova perda de tempo.”