
PROJETO DE LEI PREVÊ PUNIÇÃO PARA QUEM AGREDIR PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Pode não parecer, mas trabalhar na área da saúde, seja em hospitais particulares ou unidades públicas, tornou-se algo perigoso para médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e tantas outras categorias. Isso porque, com frequência, esses profissionais t
Por Jamylle Bezerra | Edição do dia 30/09/2023 - Matéria atualizada em 30/09/2023 às 04h00
Pode não parecer, mas trabalhar na área da saúde, seja em hospitais particulares ou unidades públicas, tornou-se algo perigoso para médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e tantas outras categorias. Isso porque, com frequência, esses profissionais tornam-se alvos da violência praticada por pacientes e seus acompanhantes, insatisfeitos com a atenção recebida, com a demora para o atendimento ou, até mesmo, com a falta de determinado medicamento na rede pública.
Muitos desses profissionais saem de casa com medo, sem saber o que vão encontrar pela frente, durante os atendimentos: uma agressão física, uma palavra mais áspera, uma acusação descabida. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não tem dados sobre os casos registrados nas unidades públicas de Maceió, mas os relatos dos profissionais são suficientes para apontar que eles são recorrentes.
Diante disso, um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal de Maceió prevê a punição para pacientes e acompanhantes que praticarem qualquer tipo de violência contra profissionais da saúde, no exercício profissional.
Eles terão o atendimento suspenso de imediato, ficando impedidos de serem atendidos no hospital ou posto em questão, de forma que o cadastro do agressor será transferido para outra unidade de saúde. O projeto de lei considera agressões contra a honra, ameaça, desacato e lesão corporal.
SUBNOTIFICAÇÃO
A presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed), Silvia Melo, confirma que os casos de violência contra médicos são frequentes no estado, apesar de não existir uma estatística formal. Ou seja, a subnotificação é grande, diante da realidade.
“Não temos uma estatística formal, muitos casos ficam sem notificação pelo médico ter algum receio e até por desconhecer que eles têm um sindicato que zela por eles. Por exemplo, tomamos conhecimento de alguns casos somente pelas notícias que saíram na imprensa”, afirma Silvia.
Ela destaca que as agressões ocorrem por vários motivos, sendo que, a maioria deles, não tem relação nenhuma com a postura adotada pelos médicos. “Muitas das causas de agressão se devem a fatores que o médico não é diretamente responsável, como falta de medicamentos e exames, por exemplo. Tem também casos de familiares que ficam revoltados com a morte de alguém por falta de transferência, resultado da falta de leitos”, relata, destacando que tais situações são mais comuns na rede pública de atendimento.
Sobre o projeto de lei, a presidente do Sinmed diz que ele é bem-vindo. “Toda ação que chegar em defesa de qualquer profissional de saúde, seja prevenindo agressões, seja auxiliando a debelá-las, tem nosso apoio. Ter pessoas treinadas em qualquer ambiente de saúde, que ajudem a resolver a crise, apaziguar ou até intimidar o agressor, também é uma grande aquisição”, completa Silvia.
Recentemente, uma campanha realizada pelo Sinmed em Alagoas teve como foco o pedido por mais segurança nas unidades de saúde, tendo em vista o medo vivenciado diariamente pelos profissionais.
“O sindicato promoveu uma campanha recente onde implorávamos por segurança nas unidades de saúde, principalmente depois da demissão das empresas de segurança que prestavam serviço a unidades estaduais, mas sem deixar de fora as unidades de saúde municipais, que não sabem o que é segurança há muitos anos”, conta.
EXPOSIÇÃO
A servidora pública Vitória Lira, que é enfermeira e atua em uma unidade de saúde de Maceió, conta que nunca foi vítima de agressão, mas que conhece vários colegas que já foram, inclusive, que trabalham no mesmo setor que ela. Em umas das situações, o pai ameaçou os profissionais de morte, caso o filho dele não resistisse, e todos eles passaram a ir trabalhar com medo, por um bom tempo.
Ela relata que a exposição à violência praticada por pacientes - seja ela verbal, psicológica ou física - é algo, de fato, comum entre os profissionais da saúde, já que os pacientes e seus acompanhantes acabam descontando as frustrações naquelas pessoas que estão na linha de frente, tentando solucionar o problema.
“Eu acho muito válido ter um projeto de lei voltado para essa questão dos profissionais que trabalham na área da saúde. Muitos desses profissionais se expõem muito porque as pessoas não compreendem a demora no serviço, cujos atendimentos são prestados por prioridade. As pessoas querem que seja tudo no tempo delas. Eu sei que todo mundo que procura um serviço de saúde faz isso porque precisa, mas há os prioritários, e as pessoas acabam se irritando, se aborrecendo, e descontando no profissional que tá ali, seja ele médico, enfermeiro ou técnico de enfermagem” relata.
INTERFERÊNCIA
A técnica de enfermagem Cristiane Carvalho não teve a mesma sorte de Vitória. Com 15 anos de profissão, ela vivenciou recentemente uma situação absurda dentro de uma maternidade pública que funciona em Maceió. O pai de um bebê prematuro, que chegou a ser intubado, apresentou uma postura agressiva não só com ela, que prestava assistência ao bebê, mas também com a própria esposa, que tinha acabado de passar por uma cesárea.
Com o argumento de que “o filho era dele”, o homem passou a querer interferir na dieta da criança, mesmo sem ter conhecimento algum.
“Ele já vinha tendo comportamento abusivo e constrangedor com a própria esposa dentro da UTI. Por exemplo, ficava sentado na poltrona e ela em pós-operatório ficava de pé. Quando ela conseguia sentar, ele sentava no colo dela. Além disso, chegava na UTI com cheiro de cigarro e tudo mais. Quando a médica pediu para que na dieta de determinado horário não fosse administrado o leite, porque iria extubar a criança, ele já começou a se alterar dizendo que eu tinha que dar a dieta do filho dele, que o menino iria ficar com fome”, conta.
A situação se estendeu e ele continuou com um comportamento inadequado, que visava interferir na assistência que o bebê estava recebendo dos profissionais de saúde. Até que, em determinado momento, fez ameaças de morte e ainda se recusou a se retirar do ambiente, mesmo com a presença do segurança do hospital.
“Em determinado momento, ele começou a bater na incubadora, então a médica pediu que ele parasse, pois estava assustando o bebê. “Ele respondeu que ia bater se quisesse, pois o filho era dele e quando a médica disse que chamaria o segurança, ele respondeu que já tinha sido preso quatro vezes e não se incomodava em ir a quinta. Falou ainda que ia lá e matava todo mundo”, relata Cristiane.