Política
‘DEIXO COMO LEGADO PARA O JUDICIÁRIO O QUE EU TINHA DE MELHOR’
Prestes a se despedir da carreira no Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Malta Marques faz balanço da carreira


Quando o ano novo chegar, a voz firme, os passos largos e a gentileza peculiar do desembargador José Carlos Malta Marques deixarão de circular pelos corredores do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL). A sala do 4º andar, onde a recepção é decorada com fotos de xique-xique, mandacaru e uma escultura de jumento com tonéis de água, deixará de fazer parte da rotina do magistrado.
A aposentadoria compulsória, forçada pela chegada dos 75 anos, que le completa no dia 13 de janeiro, o tira do ambiente, mas não vai deixá-lo totalmente distante do Judiciário. Mesmo fora da tribuna da Justiça Alagoana para julgar e analisar processos, ele estará do outro lado, possivelmente advogando.
Na prática, ele volta ao início da carreira jurídica, que foi influenciada por um tio, classificado por ele como “rábula” do Sertão de Santana do Ipanema, além dos primos, que também o levaram a escolher o Direito como carreira e vida.
“Deve ser o meu destino, porque, desde muito cedo, sempre quis atuar nessa área. Tenho lembrança de já ali pelos 12 anos, quando comecei a trabalhar, mesmo sem autorização, gostava de ver de perto e assistir a julgamentos no ambiente do tribunal. E, confesso, já me imaginava vivendo nesse mundo jurídico”, revelou Malta.
A carreira começou, então, na adolescência. Foi bancário, servidor público, advogado, promotor e, posteriormente, desembargador. Ao olhar para trás e no topo da carreira jurídica, ele vê uma trajetória de 63 anos de muito trabalho.
“Deixo como legado para o Judiciário alagoano o que eu tinha de melhor. Em todos os sentidos, o que tinha de melhor no meu conhecimento pessoal. O que tinha na minha maneira de agir que é muito reta. O que eu tinha de lealdade a todos os colegas, em todos os lugares que passei. Principalmente, deixo a força e a alegria de poder olhar para trás e me orgulhar do passado. Sem qualquer tipo de mágoa. Essa é a grande lembrança. Um sentimento do dever e missão absolutamente cumpridos”, afirma o desembargador.
“O Direito é uma ideia de vida”, pontua, ao dizer que a certeza de que fez a melhor escolha vem desde os primeiros passos, mesmo em outra área, mas que serviram para lhe dar a convicção de que deveria mesmo abraçar esse caminho.
“Foi quando fiz o vestibular para o curso de Direito e não saí mais. E não pretendo sair. Saio da conjuntura administrativa formal, mas pretendo continuar. Uma das primeiras providências é tentar reativar minha inscrição na OAB. Vou tentar”, contou, com o sorriso largo no rosto.
Ao destacar sua atuação como jurista, Malta Marques, como é chamado por muitos colegas da área, confessou que a questão interpretativa para a aplicação da lei é a parte mais difícil no exercício do Direito. “Tenho um amigo que diz que a interpretação é decorrente da conveniência. Eu sempre quis fugir dessa regra, imaginando o que o legislador quis dizer. Porque, se não fizermos assim, nasce a balbúrdia”, reflete.
Ele ressaltou que sempre teve o cuidado de ser coerente em seus posicionamentos como promotor e desembargador. Isso foi adotado como estratégia de vida profissional para que, nas mais variadas decisões, não pudesse ser contestado. “Acho que estou chegando ao final sem ter contestações de que decidi de um jeito num processo e de outro em outra peça. O que atesta que consegui trazer, na prática, o que imaginava”, continua.
CARREIRA
Malta Marques chegou ao TJAL para atuar como desembargador pelo quinto constitucional, na vaga destinada ao Ministério Público. Foi em 31 de julho de 2006, quando foi escolhido em lista tríplice. Pouco tempo depois, no biênio 2009/2010, foi corregedor-geral da Justiça de Alagoas. Dois anos depois, foi eleito Presidente do Poder Judiciário para o biênio 2013/2014. Posteriormente, também foi vice-presidente do TJ e, ainda, presidente da Câmara Criminal no biênio 2021/2022.
Entretanto, ele considera sua atuação no Ministério Público como a grande base para toda a sua carreira e a de maior contribuição, no auge de sua maturidade, para atuar como desembargador.
“Digo que no MP repousa toda a minha base inicial. Até porque foi lá que eu, ainda estudante, comecei a praticar o Direito. Pois sou oriundo de uma época em que existia o adjunto de promotor, que era um cargo sendo exercido, em alguns casos, por estudante de Direito. E eu, nessa condição, já no 4º ano, iniciei como adjunto. Os meus primeiros passos já foram no MP. E isso me custou 32 anos da minha vida (risos). Obrigatoriamente, tenho que reconhecer que minha base foi construída lá e me ajudou muito a aplicar ,aqui, a magistratura”, lembra.
INFLUÊNCIA
Em pouco mais de quatro décadas atuando diretamente no Judiciário, Malta Marques acompanhou a evolução da Justiça e sua aproximação da sociedade por meio da mídia tradicional e de sua própria mídia. Ele considera esse um caminho irreversível.
“A Justiça tem que trabalhar a vida toda como sendo intérprete e formadora das opiniões sociais. Sob pena de instalar-se a balbúrdia. Em outra entrevista, ao falar do distanciamento da Justiça, eu até reconheci que já foi assim. Mas a realidade de Alagoas não é mais essa. O Poder Judiciário aqui tem caminhado a passos muito largos no sentido da sociedade”, defendeu Malta.
E para demonstrar essa mudança, ele citou que as demandas sociais também chegam ao Judiciário. Tanto que ele participou recentemente de uma reunião com o Presidente do TJAL, desembargador Fernando Tourinho, em que o tema foi a situação das pessoas em situação de rua.
“Temos aqui a Casa da Mulher, que foi um marco extremamente importante na defesa das mulheres. Cito, ainda, a legalização de imóveis das pessoas mais humildes. Juntas, essas, assim como outras, são ações que ajudam a diminuir a distância das pessoas. E acho que estamos fazendo bem”, afirmou.
Outro destaque que deu é para as ações do TJ e do Judiciário alagoano em busca da conciliação. Conforme lembrou, é o que prevê a própria lei. Evitar a judicialização é importante, tanto para o cidadão quanto para o próprio poder, que, em sua avaliação, poderia decidir sobre temas mais relevantes. Também reconheceu que a cultura de “judicializar tudo” faz parte da consciência das pessoas, e isso leva aos tribunais disputas até entre vizinhos.
AGRADECIMENTO
Depois de uma conversa com várias reflexões, Malta Marques, com a mesma tranquilidade com que abordou todos os assuntos, falou da família. Provocado a se emocionar, manteve-se firme e racionalizou em forma de agradecimento o papel adotado por sua esposa, Vera Márcia.
“É a seu lado que consigo me desligar e descansar. Conversamos sobre o dia e sobre a nossa vida. Sem dúvidas, preciso reconhecer que, ao seu lado, foi possível conquistar tudo o que desejei. Saber que ela estava do outro lado da minha vida foi muito importante para chegar até aqui”, reconheceu o desembargador.
Dessa união nasceram Anna Cláudia, Abdon Netto e Anna Carla, que lhes deram os netos: Anna Sofia, Anna Clara, Anna Luísa, José Carlos Neto e Anna Cecília.
“Se pudesse dizer aqui como quero que lembrem de mim, repito o que falei no início: como alguém que procurou sempre fazer o que era correto e o bem para as pessoas. Se compreenderem isso já estarei muito feliz”, completou o avô Malta Marques.
Junto da família e dos amigos da praça em Santa do Ipanema, ele promete recarregar as baterias para voltar a Maceió. A diferença é um pouco mais de tempo para viver ao lado de todos e a tentativa de frear a velocidade do tempo para aproveitá-lo com momentos mais amenos e menos estressantes.