A arquiteta, urbanista e professora Adriana Capretz, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), destaca que os patrimônios material e imaterial são indissociados e que a transformação dos bairros em uma ‘cidade fantasma’ ou em um grande parque, retira das pessoas o direito à memória.
“Assim como qualquer bairro, aqueles que foram esvaziados possuem referências culturais para os moradores mas, por serem mais antigos, todos eles testemunham a história da formação e são a própria vida de um lugar. As perdas para o patrimônio imaterial representam a perda dos conhecimentos que dão continuidade à vida - constituído das festas e celebrações, dos saberes e fazeres de mestres do patrimônio, artesãos, artistas e detentores de conhecimentos relacionados aos modos de viver à beira da laguna, através de uma troca respeitosa entre sua subsistência e a preservação daquele ecossistema”, afirma.
E completa: “As perdas para o patrimônio construído representam o fim do suporte material para que as manifestações culturais aconteçam. Patrimônio material e imaterial estão indissociados. A perda de todo este conjunto, tanto pela diáspora e transformação dos bairros em uma cidade fantasma, quanto também pela possibilidade de transformação de tudo em parque, retira das pessoas o direito à memória e da cidade como um todo retira o direito a uma parte de sua história, por meio do apagamento dos registros materiais e imateriais. E mais, para que não fiquem as testemunhas da tragédia, o que permitiria que as pessoas se atentassem para a sucessão de erros e omissões que levaram àquela catástrofe. Dominar a memória e também o esquecimento são poderosas estratégias de poder e controle”, reflete.
Especialista no assunto, Adriana conta que uma das condições para a existência e riqueza do patrimônio imaterial é justamente a transmissão dos conhecimentos de geração para geração de forma oral. Por isso, quanto mais idosos, mais saberes e conhecimento acerca das tradições as pessoas acumulam.
Diante da tragédia nos bairros, essas pessoas não podem esperar porque têm idade avançada e também porque as práticas culturais eram o modo de subsistência e também da manutenção da saúde emocional daqueles grupos.
“Ficou muito claro, durante escutas realizadas no último mês de março, o impacto que a inviabilidade de continuidade das atividades culturais causou em outros aspectos da vida daquelas populações”, fala.
Para Edson Bezerra, a situação registrada nos bairros é algo que não tem mais volta, principalmente por não haver mais vida social nesses locais. “É uma tragédia sem precedentes. Algo que não volta mais, pois não tem vida social. A memória coletiva só pode ser celebrada e reativada através da cotidianidade, do quadro social que preserva essa memória, e isso não existe mais”, conclui. JB