AGRESTE
Arapiraca vive expansão urbana sem plano diretor atualizado
Cidade enfrenta um processo de desenvolvimento que, segundo especialistas, é considerado desordenado


Com mais de 234 mil habitantes e considerada a capital do Agreste, Arapiraca enfrenta um crescimento urbano acelerado e desordenado, impulsionado pelo aumento das moradias, do tráfego viário e da construção civil, mas sem a devida atualização de seu Plano Diretor, cuja última versão data de 2006 e está defasada desde 2016. A ausência desse instrumento fundamental compromete a qualidade de vida da população, afeta políticas públicas nas áreas de saúde, mobilidade, moradia e meio ambiente, além de expor a cidade a riscos de degradação urbana e ambiental.
Embora o planejamento seja obrigação legal com revisão prevista a cada dez anos, a cidade segue adotando diretrizes ultrapassadas, enquanto especialistas e movimentos da sociedade civil cobram um modelo de desenvolvimento mais sustentável e participativo. A prefeitura afirma estar finalizando relatórios técnicos para, até junho, iniciar a construção do novo plano com participação da população.
O crescimento desordenado, com destaque para a expansão do perímetro urbano e o uso do solo fora dos padrões estabelecidos, foi tema de uma dissertação de mestrado apresentada no Instituto Federal de Alagoas. O estudo analisa os usos incompatíveis na zona rural de Arapiraca entre 2006 e 2017.
Ao realizar uma análise jurídica sobre o ordenamento urbano-ambiental da cidade, a tese de Lorena de Medeiros apontou mudanças significativas nos comportamentos relacionados ao comércio, à agricultura e aos espaços de ocupação ao longo da década, reforçando a necessidade de atualização do Plano Diretor.
Segundo a prefeitura, a revisão do Plano Diretor está em processo de discussão. Atualmente, cada secretaria municipal está elaborando relatórios no âmbito de suas competências, os quais servirão como base para a formulação do novo documento. O prefeito Luciano Barbosa estabeleceu o prazo até junho deste ano para que todo o material seja entregue à gestão. Em seguida, a sociedade civil organizada será convocada para participar do processo.
‘O CARRO NA FRENTE DOS BOIS’
Para o professor Marcelo Karloni, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, a expansão desordenada, sem infraestrutura adequada, agrava os problemas de saúde. Ele ressalta ainda que Arapiraca enfrenta desafios na mobilidade urbana — como o trânsito intenso nos horários de pico — e na desigualdade na distribuição das áreas verdes, concentradas principalmente nas regiões centrais. “A periferia da cidade ainda se ressente da criação de tais espaços em igualdade de qualidade dos equipamentos instalados”, pontua.
Karloni, doutor em dinâmicas territoriais do desenvolvimento e regionalizações pela Universidade Federal de Pernambuco, destaca que o planejamento urbano, embora não resolva todos os problemas, é essencial para evitar o agravamento dos conflitos. “Sem isso, uma cidade experimenta um crescimento desordenado, amplia áreas de degradação uma vez que seu solo não é alvo de controle de uso, sua mobilidade é travada, sua infraestrutura encarece quando da implantação e a qualidade de vida de seus habitantes se deteriora década a década”, expõe Karloni, que também integra a Rede Nacional BR Cidades e a Rede Colaborativa de Cidades Saudáveis e Sustentáveis, ligada à Fiocruz.
Segundo ele, Arapiraca já apresenta sinais claros de verticalização urbana, especialmente em locais como a Avenida Ceci Cunha, onde antigos imóveis residenciais têm sido substituídos por edifícios. Karloni observa que, apesar desse modelo ser visto por muitos como um indicativo de desenvolvimento e atratividade econômica, ele traz impactos sérios que precisam ser planejados.
“A verticalização implica no aumento da pressão por infraestrutura de saneamento e mobilidade, por exemplo. Se Arapiraca não empreender essas ações, que podem ser ordenadas pelo plano diretor e outros instrumentos, será uma cidade que colocaria ‘os carros na frente dos bois’”, enfatiza o professor.
PROPOSTAS DE MELHORIAS
Para enfrentar os desafios urbanos, Karloni propõe ações fundamentais, como o fortalecimento dos conselhos municipais, com poder decisório e orçamento para funcionar como instâncias superiores, e não apenas consultivas. Ele também destaca a importância de revisar as diretrizes do Estatuto da Cidade e implementar o plano de mobilidade urbana.
Entre suas recomendações estão ainda a criação de núcleos de bairro que fortaleçam o Conselho da Cidade, a implementação da política de assistência técnica gratuita para habitação de interesse social (Lei 11.888/2008), garantindo moradia digna a famílias de baixa renda, e a atenção especial às periferias.
Outras ações essenciais incluem a proteção dos aquíferos e a criação de corredores de preservação para ampliar as áreas verdes. Segundo o professor, a expansão desses espaços deve seguir critérios ecológicos rigorosos, especialmente diante do avanço da verticalização.
No campo da mobilidade, destaca-se a construção de uma nova avenida integrando a AL-220 ao bairro Brasiliana, com ciclovias, iluminação e paisagismo. Karloni reconhece os avanços, mas alerta para a necessidade de se considerar o impacto ambiental e garantir inclusão social. “A cidade precisa ser pensada também para quem não tem carro ou moto. Existe uma preocupação com a proteção ambiental no nível do discurso, mas o projeto parece priorizar fluxo de automóveis”.
Por fim, o professor chama atenção para os vazios urbanos, que favorecem a especulação imobiliária e dificultam o acesso à terra por populações de baixa renda. A solução, segundo ele, está na atualização do Plano Diretor e na aplicação de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, como o IPTU progressivo, desapropriações e o uso de terrenos vazios para habitação social em áreas com infraestrutura consolidada.
Após a realização das etapas de oitiva, diagnóstico, votação e aprovação do novo plano, Karloni defende a criação de comissões para acompanhar sua execução. “A garantia da participação ativa da população é o que vai dar legitimidade ao plano diretor”, conclui.