Legislativo
Regimento ultrapassado põe à prova força institucional da Câmara de Maceió
Sem revisão há quase uma década, texto vigente já não acompanha exigências da sociedade

Há algo de estruturalmente ultrapassado no coração do Legislativo maceioense. Com 376 artigos, o Regimento Interno da Câmara Municipal de Maceió — aprovado em 2017, quando a Casa tinha 24 vereadores — tornou-se, segundo os próprios parlamentares, um emaranhado de normas, lacunas e contradições que já não respondem às transformações políticas, urbanas e sociais da capital. A necessidade de revisão é considerada urgente e inadiável.
A última reforma relevante foi conduzida na gestão do ex-presidente Kelmann Vieira (MDB). Desde então, a cidade cresceu, enfrentou o maior desastre ambiental urbano de sua história, e o número de parlamentares subiu para 27. Em contrapartida, o regimento permaneceu estático — permitindo “jeitinhos” e interpretações convenientes por parte da Mesa Diretora.
As sessões ordinárias, por exemplo, são um reflexo claro da defasagem: o artigo 140 do Regimento determina que elas ocorram de terça a quinta, das 15h às 19h.
Na prática, começam com ao menos 30 minutos de atraso e terminam por volta das 17h. Às quintas, são realizadas pela manhã. A tolerância regimental de 15 minutos é ignorada sistematicamente, sem qualquer sanção. O controle de quórum também é negligenciado.
O caso do vereador Siderlane Mendonça (PL), afastado judicialmente na Operação Falácia, escancarou mais um vácuo: o Regimento não prevê substituição em casos de afastamento por decisão judicial.
A presidência da Casa se apoia nesse silêncio para manter o suplente fora da cadeira, mesmo com a vaga na prática desocupada. Para o presidente Chico Filho (PL), trata-se de cumprir o texto da norma, ainda que ela seja omissa.
A remuneração, as faltas e as licenças também são temas frágeis. Os artigos 10 e 11 tratam de justificativas e licenças médicas ou pessoais, mas não consideram afastamentos por corrupção, por ordem judicial ou por impedimentos ético-disciplinares. “É um regimento permissivo que precisa ser modernizado para acompanhar os tempos atuais”, avalia o vereador Allan Pierre (MDB), que também é advogado.
PODER DISCRICIONÁRIO
A dificuldade em tramitar proposições se evidencia em episódios recentes. Um deles envolveu o vereador Leonardo Dias (PL), que propôs moção de aplauso a envolvidos nos atos de 8 de janeiro. O pedido gerou tumulto no plenário, que teve a sessão suspensa.
Para evitar novo confronto, Chico Filho interpretou o regimento de forma a retirar a proposta da pauta. Embora respaldado no texto, o episódio evidenciou o excesso de poder discricionário da presidência diante de um regimento frágil.
A proposta de revisão ganhou corpo em 2024. Além da adequação do número de parlamentares, vereadores discutem a reestruturação das comissões internas. Allan Pierre defende a substituição da Comissão de Indústria, Comércio e Agricultura por uma de Desenvolvimento Econômico e a criação de uma Comissão de Turismo, em sintonia com a vocação crescente da cidade.
O vereador Eduardo Canuto (PL) lembra que o Executivo também precisa ser cobrado — e que o atual regimento limita essa prerrogativa. “O Plano Diretor está há 20 anos sem atualização. Um novo regimento pode ampliar nossa capacidade de fiscalização”, diz. Rui Palmeira (PSD), ex-prefeito e atual vereador, reforça que até mesmo os horários regimentais precisam ser revistos. “A cidade tem quase um milhão de habitantes. O Legislativo precisa corresponder a isso.”
TEMAS ESTRATÉGICOS
A vereadora Teca Nelma (PT) vincula o regimento obsoleto à fragilidade da Câmara em temas estratégicos como saúde, educação e mobilidade. “Sem instrumentos legais adequados, o poder fiscalizador fica comprometido”, aponta.
A revisão já está em andamento e deve ter uma minuta pronta até 15 de junho. Mudanças pontuais, como a transformação da Comissão de Políticas Públicas e Prevenção à Violência em Comissão de Segurança Pública, já ocorreram — iniciativa do vereador Thiago Prado (PP). A expectativa, contudo, é por uma reestruturação profunda.
O professor Marcelo Karloni, urbanista e pesquisador da Ufal, defende que o Legislativo precisa acompanhar o dinamismo da cidade. “Sem regras claras e modernas, o Parlamento opera no improviso. E quem perde é a população.”
Os próprios servidores da Câmara também cobram a atualização. O Regimento, afirmam, não pode ser um “arquivo morto” de normas superadas. A Maceió de 2025 exige um Legislativo transparente, eficiente e sintonizado com os desafios do presente. A revisão do Regimento não é uma opção — é um compromisso institucional com a cidade.