Nova estratégia
Prefeitura enviará à Câmara técnico para tratar do novo Plano Diretor
Após cobranças do Legislativo, presidente do Iplan terá reunião fechada hoje (6) com os vereadores


Em mais um capítulo da novela sobre a atualização do Plano Diretor de Maceió, a Prefeitura decidiu mudar de estratégia. Pela primeira vez desde o agravamento da crise institucional, o Executivo enviará um representante técnico — o presidente do Instituto Municipal de Pesquisa e Planejamento Urbano (Iplan), Antônio Carvalho Silva Neto — para uma reunião fechada com os 27 vereadores da capital. O encontro está marcado para esta sexta-feira (6), às 10h, e acontece sob um clima de desconfiança e frustração no Legislativo.
A mudança de postura do Executivo ocorre após sucessivas cobranças públicas dos parlamentares, que ameaçam assumir por conta própria a responsabilidade de revisar o Plano Diretor — um movimento simbólico, embora juridicamente questionável. O plano em vigor, de 2005, deveria ter sido revisto há ao menos dez anos, conforme prevê o Estatuto da Cidade. A atualização está pendente desde 2018.
O desgaste entre os poderes se intensificou esta semana, após um episódio considerado constrangedor. O presidente da Câmara, Chico Filho (PL), articulou uma reunião com o secretário de Urbanismo e Meio Ambiente, Cantídio Mundim Neto, para o fim da sessão plenária de quarta-feira (4). No entanto, como a sessão se estendeu devido a homenagens e à comemoração do aniversário da vice-presidente da Casa, Silvânia Barbosa (Solidariedade), o secretário aguardou por apenas dez minutos e foi embora. O gesto irritou parlamentares, que classificaram o episódio como mais um sinal de desprezo da gestão JHC pelo Legislativo.
Sem um líder formal na Câmara, o prefeito JHC tem contado com Chico Filho para manter o diálogo com a base. Mas, mesmo aliado do governo, o presidente da Casa já sente a pressão. Dos 27 vereadores, 22 integram a base do prefeito — e o descontentamento se espalha mesmo entre os governistas.
Para tentar conter a crise e evitar novo impasse, Chico Filho confirmou que o encontro de hoje será com Antônio Carvalho, responsável técnico pela revisão do Plano. O presidente do Iplan havia prometido entregar o novo texto até o dia 30 de maio, mas o prazo não foi cumprido. Agora, ele terá de explicar, ponto a ponto, o que mudou, o que será feito e, sobretudo, quando o projeto será finalmente enviado ao plenário.
A frustração dos parlamentares é justificada. O Plano Diretor é o principal instrumento legal de ordenamento territorial, como define o Estatuto da Cidade. Ele determina o que pode ser construído, onde e como — uma diretriz fundamental para uma cidade litorânea como Maceió, que vive uma crise urbanística agravada pelo colapso das minas da Braskem.
ZONA DE MONITORAMENTO
Um dos pontos mais sensíveis da proposta, segundo o próprio Antônio Carvalho, será a criação da Zona de Monitoramento e Reparação (ZMR), que abrange bairros diretamente afetados pelo desastre ambiental: Mutange, Bebedouro, Pinheiro, Farol e Bom Parto. Cerca de 60 mil moradores foram realocados dessas áreas. A ausência de diretrizes urbanísticas atualizadas deixa a cidade vulnerável a decisões judiciais e à especulação do mercado imobiliário, alertam os vereadores.
Esse vácuo normativo preocupa o vereador Allan Pierre (MDB), que defende uma reunião urgente com o Ministério Público e o Judiciário. Segundo ele, o MP já recomendou à Prefeitura a suspensão de novas licenças até que a revisão seja votada. Mesmo assim, liminares continuam sendo concedidas. “A cidade precisa voltar a se desenvolver de forma organizada”, afirmou.
O vereador Leonardo Dias (PL) foi mais direto: “Queremos discutir o Plano Diretor atualizado no parlamento. Não dá mais para esperar este documento essencial para orientar a cidade no presente e no futuro.” Já Samyr Malta (Podemos), vice-presidente da Comissão de Assuntos Urbanos, também reiterou que o Executivo não pode continuar postergando uma pauta tão fundamental.
Por trás do atraso, dizem vereadores, há interesses que vão além da burocracia. O ex-prefeito Rui Palmeira (PSD), hoje vereador, admitiu que durante sua gestão evitou revisar o plano por temer a pressão de grandes grupos imobiliários interessados em expandir empreendimentos no litoral norte. A suspeita é de que o atual prefeito siga a mesma linha: quanto maior a indefinição, maior a margem para decisões informais e acordos extraoficiais.
O próprio presidente da Câmara, Chico Filho, reconheceu: “A omissão é um ato político”. Ainda assim, a gestão alega que a revisão está sendo feita de forma “100% técnica”, mesmo sem submeter formalmente o texto à apreciação da Câmara. Enquanto isso, princípios como transparência e participação popular — fundamentais no Estatuto da Cidade — seguem restritos ao discurso.
A presença de técnicos e secretários nas reuniões pode ser um avanço pontual, mas não substitui o rito institucional: é preciso enviar o projeto, abrir o debate público e permitir que o Legislativo cumpra seu papel. Como alertou Allan Pierre, Maceió cresce sem rumo, com favelização, especulação nas franjas urbanas e ausência de diretrizes para sustentabilidade, mobilidade e habitação popular.
Se o encontro de hoje com Antônio Carvalho não trouxer prazos definidos, compromissos firmados e cronograma de envio imediato do novo Plano à Câmara, será apenas mais um episódio em uma longa sequência de promessas descumpridas. E, desta vez, os vereadores sinalizam que não aceitarão mais protelações.