Julgamento
Fux vota para anular todo o processo por falta de competência do STF para julgar réus
Argumentos do ministro reforçam tese da defesa e podem abrir brecha para reverter condenação de Bolsonaro


O julgamento da chamada trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou um novo capítulo com o voto do ministro Luiz Fux, apresentado ontem. Divergindo do relator Alexandre de Moraes e de Flávio Dino, que já haviam se posicionado pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus, Fux defendeu a nulidade absoluta da ação penal por “incompetência” da Primeira Turma da Corte.
ABSOLVIÇÕES
Fux votou pela absolvição de Bolsonaro em todos os cinco crimes apontados na ação. Com isso, o placar na Primeira Turma está 2 a 1 pela condenação do ex-presidente. O ministro votou por absolver também Almir Garnier, Alexandre Ramam, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Porém, votou para condenar Mauro Cid e Walter Braga Netto pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito. Ainda faltam votar os ministros Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
PRERROGATIVA
Em sua manifestação, o ministro ressaltou que os réus não tinham prerrogativa de foro à época dos fatos narrados na denúncia, o que impediria o Supremo de julgá-los em instância originária. “Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns apenas autoridades com foro especial”, disse.
Segundo Fux, como ex-presidente, Bolsonaro não estava mais protegido pelo foro privilegiado. O mesmo valeria para os demais acusados. Nessa linha, o julgamento deveria tramitar na primeira instância da Justiça. Caso fosse mantido no Supremo, a competência, frisou, deveria ser do plenário da Corte, formado por 11 ministros, e não da Primeira Turma, integrada por apenas cinco.
Ao sustentar a nulidade, Fux resgatou precedente que favoreceu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja condenação foi anulada com base na incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e do então juiz Sergio Moro. Para o ministro, a lógica é a mesma: “A Corte anulou um processo com mais de uma centena de recursos por simples incompetência de um juiz”.
CONTESTAÇÃO DAS ACUSAÇÕES
Além da questão de competência, Fux enfrentou os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele descartou a acusação de organização criminosa, por não identificar vínculo estável e permanente entre os réus, e rejeitou a majorante de uso de armas, já que a denúncia não descreveu emprego efetivo. Também afastou a responsabilização dos acusados pelos danos materiais causados nos atos de 8 de janeiro, lembrando que não é possível atribuir a eles crimes praticados por terceiros.
Sobre as acusações de golpe de Estado e de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, afirmou que não podem ser somadas, já que uma depende da outra.
Outro ponto central foi o reconhecimento do que chamou de “document dumping” — a entrega, em prazo curto, de um volume excessivo de informações às defesas. Para ele, isso configurou cerceamento: “Em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, sem identificação com antecedência, acolho a preliminar de violação constitucional de ampla defesa e declaro cerceamento de defesa”.
VALIDADE DA DELAÇÃO
Apesar de ter acolhido teses favoráveis aos acusados, Fux manteve a validade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Segundo o ministro, a colaboração foi feita com acompanhamento de advogados e dentro da legalidade, sendo desproporcional sua anulação.
Fux também votou pela suspensão da ação penal contra o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, entendendo que o suposto crime de organização criminosa configuraria um único delito contínuo e, por isso, deveria ser considerado prescrito.
CONSEQUÊNCIAS
O placar do julgamento está em 2 a 1 pela condenação, restando ainda os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Caso o entendimento de Fux seja acompanhado por mais dois ministros, a ação será anulada, obrigando que os processos sejam reiniciados em outra instância. Se isso não ocorrer, a divergência aberta pelo ministro garante à defesa o direito de apresentar embargos infringentes, abrindo nova frente recursal.
Mais do que alterar de imediato o destino de Bolsonaro e dos demais réus, o voto de Fux fornece às defesas a base jurídica para futuras tentativas de reverter a condenação. Para analistas, essa postura pode oferecer ao ex-presidente um caminho semelhante ao que beneficiou Lula anos atrás, caso o cenário político mude.