Repercussão
Advogados alertam para riscos no projeto que endurece penas contra facções
Criminalistas de Alagoas classificam proposta aprovada na Câmara como retrocesso técnico


O projeto Antifacção, aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados, chega ao Senado envolto em fortes críticas de juristas. Para advogados criminalistas alagoanos, o texto representa um “grave retrocesso técnico”, cria insegurança jurídica, viola garantias constitucionais e aposta novamente no endurecimento penal como solução para problemas complexos.
Apesar disso, a bancada federal de Alagoas comemorou a aprovação do texto, que altera regras de investigação, aumenta penas e cria novos crimes ligados ao domínio territorial de facções.
O advogado criminalista Thiago Pinheiro afirma que o projeto segue a lógica tradicional do recrudescimento penal, mas sem enfrentar as raízes estruturais da violência. Ele considera inconstitucional o dispositivo que autoriza o monitoramento audiovisual de encontros entre presos e visitantes — inclusive advogados — com autorização judicial.
“A intimidade do preso poderá ser esvaziada por completo. O preso não perde todos os seus direitos ao ser custodiado”, afirma. Thiago também aponta ilegalidade na previsão de confisco de bens antes do trânsito em julgado, ressaltando que “ninguém pode perder seus bens antes de decisão judicial amparada pelo devido processo legal”.
O advogado Arthur Lira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL, é ainda mais categórico: para ele, o substitutivo aprovado pela Câmara enfraquece a Polícia Federal, cria tipos penais mal definidos, limita a atuação do Ministério Público e pode até atrasar o confisco de bens das organizações criminosas — justamente o ponto central do combate às facções.
“O projeto original do governo era mais sólido e tecnicamente consistente. O substitutivo distorce a proposta e introduz falhas graves”, avalia.
Enquanto especialistas apontam riscos jurídicos, a bancada alagoana comemorou o texto. Os deputados Marx Beltrão (PP), Delegado Fabio Costa (PP), Alfredo Gaspar (União), Arthur Lira (PP), Daniel Barbosa (PP), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB), Rafael Brito (MDB) e Luciano Amaral (PSD) votaram a favor da proposta, enquanto Paulão (PT) foi o único voto contrário.
Nas redes, parte desses parlamentares defendeu o endurecimento das penas, o envio de líderes de facções para presídios federais e o fim do direito de voto para presos provisórios. Para eles, o projeto representa um marco histórico no combate ao crime organizado.
O texto aprovado cria o crime de domínio social estruturado, com penas de 20 a 40 anos para ações de organizações criminosas, milícias e grupos paramilitares. Amplia hipóteses de agravantes, inclui o uso de explosivos, drones, armas pesadas e ataques a serviços essenciais, e endurece a progressão de regime para crimes hediondos, que poderá exigir até 85% da pena em regime fechado. Também autoriza bloqueio imediato de bens, equipamentos e criptoativos e prevê videoconferência para atos processuais.
Apesar da aprovação expressiva, vários dispositivos devem ser discutidos no Senado, especialmente aqueles contestados por juristas, como o monitoramento de parlatórios, o conceito ampliado de facção criminosa, a apreensão antecipada de bens e a constitucionalidade das restrições impostas a presos provisórios.
A tendência é que o Senado se torne palco de ajustes importantes para equilibrar o combate ao crime organizado com as garantias previstas na Constituição.
